expresso.ptDuarte Marques - 25 jun. 08:45

Defender Miguel Duarte em defesa da civilização

Defender Miguel Duarte em defesa da civilização

Opinião sem cerimónia

Na semana que agora termina fomos atropelados por um tremendo sentimento de injustiça a propósito da possível condenação, a 20 anos de cadeia, de um jovem português por ter ajudado a resgatar do mar mediterrâneo pessoas que buscavam asilo, proteção ou que queriam apenas emigrar, mudar de vida. Afinal, a justiça italiana estará a acusar um conjunto de jovens europeus que a determinada altura das suas vidas decidiram “fazer-se à estrada”, neste caso ao mar, e a partir de Malta foram salvar vidas que estavam me risco. Isto não merece ser punido, mas sim louvado.

Felizmente, vivemos num país da União Europeia, que reconhece a jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que subscreve a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e por isso acreditamos que, no final, nada acontecerá a Miguel Duarte, que mais do que réu deveria ser considerado, no mínimo, um exemplo.

É verdade que há regras que impedem o auxílio à imigração ilegal, que pretendem combater o tráfico de seres humanos e as redes de crime organizado que exploram o sofrimento das pessoas. Também é ilegal, e assim deve continuar a ser, alguém ir a um campo de refugiados buscar individualmente pessoas e trazê-los para o seu país sem qualquer articulação com as autoridades. Isso sim é ilegal, mas nem isso sequer tem sido punido porque imperou o bom senso. Outra coisa completamente diferente, e por isso a acusação é ainda mais absurda, é o que terá feito Miguel Duarte e que aqui importa distinguir.

Em primeiro lugar, há um conjunto importante de legislação internacional que obriga qualquer capitão de um navio, seja ele militar, comercial, de lazer ou pertença de uma ONG a prestar auxílio a quem estiver em dificuldades ou em perigo no mar. Basta ler a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, artigo 98, ou a Convenção Internacional sobre a busca e salvamento marítimo, de 1979 disponível em sem esquecer a Convenção Internacional sobre Salvamentos , de 1983 e em particular o seu capítulo 11.

Por outro lado, a obrigação de quem recolhe ou salva pessoas que se encontram à deriva no mar é entregá-las às autoridades mais próximas e informar as respetivas entidades responsáveis pela coordenação e resgate marítimo. Foi precisamente isto que várias ONG´s europeias fizeram quando se aperceberam que o número de navios militares e de guarda-costeira dos países europeus não eram suficientes para dar resposta a todos os pedidos de auxílio que existiam no mar mediterrâneo e decidiram ajudar. Colocaram-se na região na tentativa de ajudar quem arriscava a vida. Curioso que muitos destes salvamentos feitos por ONG´s aconteceram precisamente a pedido do Centro de Coordenação Italiano para o resgate marítimo, sedeado em Roma, visto serem estas as embarcações mais próximas das pessoas em perigo. Feitos os salvamentos estas pessoas foram sempre entregues às autoridades e isso é fundamental em todo este processo.

Ao longo desta semana vi por aí muitos radicais de serviço, alguns até com formação académica que exigiria outra responsabilidade, a dizer todo o tipo de disparates sobre este assunto e sobre este caso em particular. Exige-se mais, que leiam a legislação e façam mais do que acreditar em notícias falsas.

Acusar ou perseguir Miguel Duarte é contrariar e subverter todo o conceito de ajuda humanitária e de solidariedade. É negar os mais básicos princípios e valores que enformam a União Europeia a que orgulhosamente pertencemos.

A luta pela liberdade do Miguel Duarte não é a defesa de uma ideologia, de um partido e muito menos de uma pessoa. É a defesa de toda uma sociedade e dos mais elementares valores e direitos humanos. Defender o que o Miguel fez é defender a nossa civilização.

Disclaimer: o autor deste artigo é atualmente membro da Comissão das Migrações, Refugiados e Pessoas Deslocadas do Conselho da Europa, Autor do Relatório “A comprehensive humanitarian and political response to the migration and refugee crisis in Europe” que pode ser consultado AQUI, preside à Comissão das Diásporas do Conselho da Europa e lidera o “Parliamentary Network on Diaspora Policies”

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