www.publico.ptpublico.pt - 24 mai. 13:02

Portugal tem de “mudar de vida” na organização e na gestão

Portugal tem de “mudar de vida” na organização e na gestão

Um gestor público e um empresário colocaram a economia em perspectiva. Desafiam Estado e sector privado a tratar do “paradoxo” que amarrou o Norte e o país a um “modelo esgotado”.

A região Norte é uma potência exportadora ou exemplo de desequilíbrio na distribuição territorial da produtividade? É um motor que puxa pela economia nacional ou o território que mais pessoas perdeu e dos que mais envelheceram nos últimos 20 anos? É um copo meio cheio, com investimento em inovação, ou um copo meio vazio, marcado pelo abandono escolar e pouco investimento na renovação de activos? É um Infante D. Henrique, que abre novos caminhos, ou um Oliveira de Figueira, o personagem do Tintin que vai reciclando velhos trunfos guardados no casaco? 

Talvez o Norte seja tudo isto, porque afinal é sinónimo de tudo aquilo que se acaba de descrever. É uma moeda de duas faces, como o lado lunar e o lado solar que o nortenho Rui Veloso glosou num dos grandes sucessos musicais da carreira dele.

É um “paradoxo”, nas palavras do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), Fernando Freire de Sousa. Talvez tenha sido apanhado na “armadilha do rendimento médio”, talvez seja vítima de um “modelo político, económico, institucional completamente esgotado”, sugere Luís Reis, presidente-executivo da Sonae Financial Services e gestor de topo do grupo que é dono do PÚBLICO.

Sousa e Reis foram os convidados da segunda ronda de Olhares Cruzados, um ciclo de debates do PÚBLICO e da Católica Porto, e coube-lhes debater para onde caminha a economia do Norte. Era esse o tema e, entre números que mostram um Norte com as capacidades de um Dr. Jekyll mas também com os problemas de um Mr. Hyde, o debate feito na quinta-feira à noite desaguou na seguinte constatação: o rumo da região (e do país?) é incerto e não parece famoso.

O presidente da CCDR-N, pelo menos, não hesitou: vive-se num “modelo esgotado, que vai bater na parede, só não se sabe quando”. “Temos de mudar de vida”, porque o que as regiões e o país fazem hoje “dá para sobreviver, mas não mais do que isso”.

Para Luís Reis, “o modelo já está esgotado há um par de anos”. O problema é que “vivemos distraídos e há eleições em Outubro” e, portanto, o país continua a perder tempo, afirmou este executivo.

Os dois convidados principais levaram inúmeras estatísticas para uma sessão que, a dado momento, discutia se a solução era “mais liberalismo” ou “melhor Estado”, se o problema era excesso de licenciados nas ciências sociais ou os gestores desconhecedores de “metodologias e processos básicos” de gestão, se pesa mais a falta de produtividade ou a falta de investimento. Freire de Sousa defendeu “melhor Estado”, porque “uma mudança estrutural não resulta só de um acto de vontade pública ou de um somatório de decisões empresariais”. 

O líder da CCDR-N resumiu o “paradoxo do Norte” em seis pontos, três de um copo meio cheio de “activos empresariais e culturais” e três para um copo meio vazio “nas estatística que mostram que é a região mais pobre do país e das mais pobres da Europa”. Se fosse um país na UE, a região com um PIB de 57 mil milhões de euros e 3,6 milhões de habitantes teria nove parceiros mais pobres e sete países mais pequenos; entre as 281 unidades NUTS II da UE, o Norte é a 29.ª em população e 87.ª em PIB; representa 29% do PIB português, um terço das empresas, 35% da população activa empregada, 40% das exportações. Foi uma sucessão de números que mostraram a expansão da intensidade exportadora do país até aos 43%, os saltos “exponenciais” na escolarização e a recuperação do emprego e do peso da indústria transformadora. Mas também ficou evidente que o Norte perdeu 65 mil residentes desde 1991, que tem agora dois idosos (maiores de 65 anos) para cada jovem (até aos 14) e que metade dos 86 municípios nortenhos exporta menos do que 0,1%, ao passo que apenas oito são responsáveis por mais de metade das vendas ao exterior.

A este cenário de potência industrial e, simultaneamente, de perda populacional, Luís Reis acrescentou outros números. Em vez da metáfora dos copos, via a região com traços de um visionário Infante D. Henrique, que investe 1,5% do PIB em inovação (quase o mesmo que os 1,6% de Lisboa, mas com a diferença de que a maior fatia – 0,8% – é investimento em I&D feito por empresas); que gera excedentes na balança comercial de bens (5600 milhões em 2017); que tem a maior quota de exportação de bens de alta tecnologia. Com estes e outros números, concluiu o empresário, o Norte seria uma região “vibrante, a crescer em população, em salário, mais educado e produtivo” – não fosse o caso de viver menos como o infante e mais como esse personagem ficcional Figueira de Oliveira, o português no universo BD do Tintim, que vive de truques, oportunidades e improvisação, como sugerem outros dados estatísticos: o Norte tem a menor produtividade aparente; tem metade da população activa sem ensino secundário ou superior e tem gestores sem formação; tem alimentado o negócio à custa de “suar activos que não foram renovados pela formação bruta de capital fixo”.

“Será [o Norte] um farol à Infante D. Henrique ou um oportunista que foi a Frankfurt abrir o casaco e mostrar que pode servir a Europa como ela quiser desde que sobre algum para comprar um Ferrari?”, questionaria o gestor, que confessou ter mudado de opinião em relação à regionalização.

Se antes não acreditava nela, agora não acredita no modelo vigente, que distribui fundos comunitários sem olhar ao mérito e ao potencial de fazer melhor. “É preciso ter coragem para discriminar”, defendeu, contrariando de certa forma a visão do líder da CCDR-N. Freire de Sousa mostrou maior preocupação com as variáveis mais desfavorecidas da economia nacional, mas concordou que em matérias de ajuda europeia “é preciso evitar que as coisas piorem”, isto é, travar uma estratégia que “valorize programas temáticos” à custa da “fragmentação dos programas regionais”. 

O “centralismo” foi um tema inevitável, mas a regionalização precisa de outro modelo, aberto à candidatura cidadã, diferente da lógica que preside às legislativas.

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