www.dinheirovivo.ptHugo Zsolt de Sousa - 23 mai. 08:23

Eleições, África, tecnologia e presidência portuguesa da UE

Eleições, África, tecnologia e presidência portuguesa da UE

Em vésperas de eleições, parecem faltar ideias sobre a Europa e empenho para trazer soluções novas.

A campanha eleitoral para as eleições Europeias aproxima-se do fim. Vimos um pouco de tudo mas penso ser correcto afirmar que os assuntos sobre os quais os eleitores estarão mais esclarecidos são essencialmente dois: Joe Berardo e respectivas comendas e José Sócrates, principalmente a novidade de que há ministros no governo que o foram em governos por ele liderados. Paulo Rangel achou por bem afirmar isto com alguma frequência. Parecem faltar ideias sobre a Europa e empenho para trazer soluções novas. Não sei que opinião terá Paulo Rangel dos portugueses para achar que o eleitorado ainda não estava consciente de tal facto, estando o mandato do actual governo a chegar ao fim… do que quase não se falou foi da futura presidência portuguesa da UE. Iremos todos votar com muita e relevante informação sobre estes temas tão pertinentes mas ninguém (ou quase) saberá o que os candidatos pensam sobre o que deveriam ser as prioridades da próxima presidência portuguesa da UE.

O governo já veio afirmar que a sua grande prioridade durante a presidência da UE será África. Mas o debate até agora não foi muito para além disso. Em 2100 a população jovem africana será o dobro de toda a população europeia e metade do número de jovens em todo o mundo será africano. Mas 16 milhões de jovens africanos estão desempregados e apenas 1% dos jovens na África Subsaariana, com idade compreendida entre 15 e 24 anos, participa em programas vocacionais. Os EUA prometeram investimentos em África na ordem dos 14 mil milhões de dólares para a próxima década. O presidente Juncker falou numa nova parceria com África. Veremos o que se seguirá ao acordo de Cotonou, que vigora até 2020. Na última cimeira África-China, O Presidente Xi Jinping anunciou mais 60 mil milhões para África. Curiosamente essa cimeira contou com mais chefes de Estado africanos do que a Assembleia Geral das Nações Unidas.

Segundo dados da universidade de John Hopkins, entre 2000 e 2016 a China terá investido, sobretudo através de empréstimos, 125 mil milhões em África. Contudo, na sua grande maioria, tal terá que ser pago e com juros elevados. 72% da dívida do Quénia por exemplo já advém da China. E no Djibouti, 77%. No Senegal, vários projectos e grandes infraestruturas estão a ser financiados por um empréstimo chinês de 1,6 mil milhões. Isto multiplica-se por todo o continente. Apesar dos riscos, num recente estudo do afrobarometer, 63% dos africanos acham positiva a influência chinesa em África (No Mali, esse valor foi de 92%). A razão fundamental foi precisamente o desenvolvimento de infraestruturas. Contudo a maioria dos africanos continua a achar que o modelo de desenvolvimento norte-americano é o melhor, e 28% atribuem mais influência aos antigos países colonizadores. Ou seja, a China está cada vez com mais influência mas a Europa ainda pode ter um papel muito importante.

A Europa, desde há algum tempo, tem de facto vindo continuamente a perder influência no continente africano para a China. Mas não só. Na área de tecnologia, as grandes empresas estão a apostar fortemente em África. A Google inaugurou no in��cio deste ano um centro de inteligência artificial em Accra, capital do Gana. Graças ao “tensorflow”, agricultores podem agora diagnosticar eventuais doenças das suas plantas através de uma simples fotografia. A Microsoft abriu o Centro de Desenvolvimento Africano em Lagos e Nairobi e irá empregar mais de 100 programadores prevendo contratar pelo menos 500 até 2023 em áreas como a inteligência artificial, realidade mista e machine learning.

A Transsion, empresa chinesa de telemóveis, ao que se sabe, não tem uma única loja em toda a China mas domina o mercado africano deixando para trás empresas como Apple, Huawei e Samsung. A Transsion, através da sua marca Tecno, já detém uma quota de mercado superior a 50% do mercado africano de telemóveis. Porquê? Uma das razões foi uma câmara mais sensível às peles escuras e que faz com que as fotografias fiquem mais brilhantes. A isso junta-se preço e durabilidade. Em 2015 apenas 28% dos africanos usavam telemóveis – na China esse valor era de 97%. É fácil de constatar o potencial de crescimento.

Perante isto, a Europa tem de se posicionar sob risco de ficar cada vez mais irrelevante. A aposta do governo para fazer de África a prioridade da presidência portuguesa é a correcta. Mas terá de ser específica e com acções concretas. O tempo da retórica e da política feita com soundbytes mas sem conteúdo acabou – pode ter efeitos no telejornal da noite mas em nada contribuirá para o fortalecimento das relações UE-África.

Leia aqui a entrevista a Hugo Zsolt de Sousa

Há questões inevitáveis se quisermos de facto ter uma nova parceria com África: em primeiro lugar reconhecermos que África é dos e para os africanos. A UE deve ser um parceiro activo, potencializando a boa governança de líderes democraticamente eleitos, mas não lhe compete determinar quais as prioridades de desenvolvimento do continente africano – isso compete aos africanos. Isto implica uma nova abordagem por parte da Europa e criação de sinergias entre as várias agências de desenvolvimento europeias, bem como uma evolução por parte das organizações multilaterais. Não podemos continuar a afirmar que a Europa não tem dinheiro e depois ter várias agências de desenvolvimento e cooperação europeias a actuar com pouca coordenação entre elas e com apoios muitas das vezes para objectivos díspares e contraditórios.

Em segundo lugar, qualquer parceria tem de reconhecer e potenciar a juventude africana. Novas oportunidades, através de um plano de investimentos direccionado para o continente africano permitiriam fixar em África o melhor recurso que o continente tem – as pessoas – e criar novas oportunidades para as empresas europeias. Um plano Marshall para África com investimentos em escala. A Europa deveria discutir o seu one belt one road para África ao invés de andar a discutir se participa ou não no plano chinês.

Finalmente, a especificidade do Magrebe e do Sahel, regiões tão próximas a Portugal e com tantos desafios – se a Europa não agir rápido pagará os custos dessa mesma inacção. A Europa pode e deve mostrar liderança e propor a outros países um “compacto para o Sahel”. É tempo de a Europa assumir a liderança – não poderá fazê-lo sozinha mas pode liderar essa mudança. Portugal terá oportunidade de ser o expoente disso mesmo. Convém relembrar os esquecidos: apenas 14 km separam a Europa de África.

Hugo Zsolt de Sousa é diretor no Institute for New Economic Thinking. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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