ionline.sapo.ptAntónio Cluny - 21 mai. 10:23

A Eurojust na Assembleia da República Portuguesa

A Eurojust na Assembleia da República Portuguesa

É hoje mais importante que muitas das questões do sistema de justiça europeu, abordadas a nível da Eurojust, possam ser analisadas também pelos representantes do povo português, numa perspetiva política e não meramente técnica.

Desde há quatro anos que o membro nacional de Portugal na Eurojust comparece regularmente na Primeira Comissão da Assembleia da República – Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – para aí apresentar o relatório anual de atividades do gabinete português.

Este ano cumpriu-se, uma vez mais, essa tradição.

Estas sessões – que nunca foram rotineiras nem formais – revestem-se de verdadeira importância por vários motivos.

Elas permitem prestar contas aos representantes políticos eleitos pelos cidadãos – os deputados – do trabalho realizado na Eurojust, das dificuldades sentidas, bem como anunciar-lhes os projetos futuros que ali se desenvolvem.

Os membros do gabinete português, sendo magistrados e guardando no plano da sua atividade judiciária concreta toda a independência que caracteriza a função judiciária, são também representantes de Portugal junto deste organismo europeu e, por isso, são nomeados pelo Governo através da decisão conjunta dos ministros da Justiça e dos Negócios Estrangeiros.

Quer isto dizer que a intervenção dos membros do gabinete, sendo exclusivamente judiciária no que respeita ao trabalho operacional e processual, não deixa também de assumir um caráter de representação nacional quando adotam posições na área da governação da Eurojust ou emitem opiniões e subscrevem pareceres sobre as inúmeras questões que a atividade deste organismo europeu suscita e promove.

Por isso, a intervenção dos membros do gabinete português não deve deixar de interessar e de ser escrutinada pelos deputados, que podem assim conhecer, analisar e debater com o membro nacional na Eurojust algumas das questões e decisões mais relevantes que vão sucedendo e se planeiam a nível europeu – mas não só – na construção dos instrumentos de cooperação e reconhecimento mútuo.

É, com efeito, deveras importante que muitas das questões que quotidianamente vão sendo abordadas a nível dos organismos europeus, como a Eurojust – e que, para alguns, podem parecer revestir-se de caraterísticas meramente técnicas –, possam ser analisadas também, ou sobretudo, numa perspetiva política.

Sob a aparência de uma génese puramente técnica e com o propósito declarado de aumentar a eficiência do sistema de justiça europeu, muitas dessas medidas correspondem, afinal, a orientações políticas firmes que, em muitos casos, escapam, quase necessariamente, a uma apreciação mais fina por parte dos representantes do poder legislativo nacional.

Num momento em que o Tribunal de Justiça da União admitiu analisar as circunstâncias concretas de independência de certos componentes estruturantes de alguns dos sistemas judiciários dos Estados membros – condição da confiança mútua e, portanto, do reconhecimento mútuo das decisões judiciais tomadas pelas suas autoridades judiciárias – redobra de importância a análise da vertente política das medidas de política europeia de justiça.

A União Europeia vai a votos, ninguém conhece com exatidão o seu futuro e, consequentemente, a apreciação de certas decisões ganha hoje outro valor e dimensão política, designadamente para todos os que não sucumbiram ainda à visão puramente securitária da justiça e continuam a creditar que ela, para ser justa, se rege por princípios que garantem os direitos fundamentais.

Há valores que Portugal tem inscritos na sua Constituição, nas leis e na prática normal do seu sistema judiciário que importa preservar em todas as circunstâncias e sedes.

Algumas das questões de política de justiça europeia, que este ano foram abordadas na audição parlamentar, têm relação, mais ou menos direta, com alguns dos princípios fundamentais do nosso sistema judiciário.

Também por isso, e não só pela salutar prestação de contas que é devida à Assembleia da República, a última audição poderá ter sido muito relevante.

Escreve à terça-feira

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