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A obesidade como catástrofe ambiental dos tempos modernos

A obesidade como catástrofe ambiental dos tempos modernos

Tenho sérias dúvidas que o planeta venha à frente para a maior parte das bocas deste mundo. Infelizmente, para todos nós, não temos um planeta B.

Atualmente, o excesso de peso é o principal responsável pela doença em Portugal e pela má qualidade de vida de milhões de Portugueses. Segundo os dados do Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSEF, 2015), mais de metade da população portuguesa apresenta excesso de peso, incluindo a obesidade (67,6%). Resultado desta acumulação excessiva de gordura, outras doenças crónicas aparecem ou agravam-se como certos cancros, a doença cardiovascular, osteoarticular e a diabetes que representam já, mais de 2/3 dos gastos do SNS. Estes dados remetem para uma verdadeira epidemia para a nossa saúde. Como se esta tragédia não bastasse, ela ainda nos custa mais porque bate à porta dos mais frágeis. Os grupos da população portuguesa com um menor nível de escolaridade apresentam prevalências mais elevadas de obesidade (39,4%) comparativamente com os grupos da população com um nível de escolaridade superior (19,5%).

Mas, para além desta catástrofe metabólica, existe uma outra que exige a nossa atenção. A catástrofe ambiental criada por biliões de seres humanos que comem mais do que necessitam, destruindo o planeta e a sua débil saúde. Diria que a melhor forma de lidarmos com o problema das alterações climáticas era darmos uma maior atenção à forma como nos alimentamos. Concretizando, e em Portugal, um homem adulto ingere em média 2347 kcal. Do ponto de vista fisiológico, um homem adulto sedentário necessita em média de 2197 Kcal para ter uma vida saudável e produtiva. 

Estes cálculos básicos estimados para valores médios (que não têm em conta a sub ou sobrestimação de alguns dados nem a sua ponderação para diferentes níveis etários e gastos individuais) sugerem que todos os anos consumimos milhões de calorias em demasia e sem necessidade. As quais, acabamos por transformar em vários quilogramas a mais, geralmente à volta do abdómen e ancas. Energia consumida desnecessariamente, acumulada em tecido adiposo que nos mata e desregula metabolicamente e que, por sua vez, torna o transporte de cada um de nós ambientalmente mais exigente e destruidor do planeta. Se a isto somarmos 1/3 da produção alimentar perdida ao longo da cadeia alimentar e o gasto de energia e água utilizado para se produzir alimentos (em particular carne), para embalar quase tudo e para transportar a longas distâncias, facilmente constatamos que o consumo excessivo de energia proveniente dos alimentos e as escolhas erradas à mesa fazem do consumo alimentar o maior responsável pelas alterações climáticas imputadas à ação humana.

Enorme responsabilidade para quem produz, para quem vende e, por último, para quem consome e escolhe diariamente, replicando-se este acto por biliões de seres humanos à face da terra que abrem a boca várias vezes ao dia.

Este facto implica uma atenção nova para quem desenha políticas alimentares, tanto ao nível mais macro como ao nível autárquico. Em Portugal, a estratégia alimentar nacional levada a cabo nos últimos anos pela DGS começou a dar atenção a este problema. Como? Identificando a Dieta Mediterrânica como padrão de referência a promover, identificando e dando a conhecer padrões alimentares mais sustentáveis como as dietas de base vegetariana, alertando para o risco do consumo excessivo de carne ou do plástico na alimentação humana.

Contudo, e dada a velocidade acelerada da mudança climática, estas medidas e ações já implementadas necessitam de ir mais longe e ser mais rápidas a concretizar. Tal como já se fez na taxação das bebidas açucaradas ou na imposição de regras claras para a oferta alimentar em ambiente escolar e hospitalar, necessitamos de ir mais longe e mais rápido nas medidas ambientais de base alimentar, sem compromissos com a indiferença generalizada da maioria da população e classe política. Mas estas ações implicam mudanças substanciais na forma de nos relacionarmos com a nossa tradição alimentar.

Será que estamos preparados para comer carne apenas uma ou duas vezes por semana, deixar de comer bacalhau, aumentar o número de dias na semana em que só comemos vegetais, pedir água da torneira no restaurante, eliminar totalmente o plástico da nossa alimentação, evitar fruta exótica, comprar preferencialmente alimentos frescos, da época e adotar a regra número um da dieta mediterrânica que é “ser frugal à mesa”, ou seja, comer apenas o necessário e sem excessos?

Nestes tempos de 24 Kitchen, de abacate e quinoa em tudo o que é salada, de carne maturada e dietas paleolíticas, de chocolate preto, açaí e bagas de Gogi?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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