observador.ptJosé Maria Seabra Duque - 21 mai. 00:04

Publicar a opinião dos partidos: um escândalo para a “democracia”

Publicar a opinião dos partidos: um escândalo para a “democracia”

A Federação Portuguesa pela Vida limitou-se a fazer o que prometera em Novembro passado: dar a conhecer publicamente a opinião dos partidos sobre a agenda pró-vida antes do ciclo eleitoral deste ano.

A campanha para as europeias da semana passada foi tomada de assalto por um corpo estranho. No meio das discussões e tricas partidárias sobre quem foi ministro de quem e quem reduziu a austeridade, apareceu um quadro com as posições dos partidos sobre a agenda pró-vida que muito destabilizou a campanha. Por momentos chegou a parecer que a campanha teria mesmo que abordar uma ideia para o país e para a Europa, em vez da habitual politiquice que a tem caracterizado.

Numa sociedade onde os partidos só admitem ser escrutinados uns pelos outros e todo o debate gira à volta dos temas que os partidos escolhem para se atacarem mutuamente, uma intervenção da sociedade civil no debate político ganhou foros de escândalo.

Claro que o dito quadro, que nada mais era do que a posição dos partidos sobre temas estruturantes da nossa sociedade, só conseguiu alguma notoriedade à custa dum falso escândalo que um jornalista procurou criar contra o Patriarcado de Lisboa. E como os partidos, embora em geral desprezem os movimentos cívicos, ainda têm algum respeito pela influência social da Igreja, o quadro lá conseguiu furar o silêncio que regra geral envolve qualquer actividade da Federação Portuguesa pela Vida.

Abro um parêntesis para relembrar que a Federação Portuguesa pela Vida é uma associação que, entre outras muitas, participou na petição europeia “One of Us” (mais de dois milhões de assinaturas na Europa, das quais 85 mil em Portugal), promoveu a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pelo Direito a Nascer (quase cinquenta mil assinaturas entregues no Parlamento), promoveu a Petição Toda a Vida tem Dignidade (mais de 14 mil assinaturas entregues no Parlamento), e é responsável pela Caminhada pela Vida, realizada anualmente, e que em Novembro do ano passado se realizou em 5 cidades do país com a participação, segundo as autoridades, de mais de 8 mil pessoas. E isto é apenas um pequeno resumo dos últimos tempos, numa história que já leva dezassete anos.

Por isso é por um lado espantoso que o trabalho da Federação Portuguesa pela Vida tenha conseguido furar o silêncio mediático a que habitualmente está sujeita. Por outro lado, é sintomático que isto apenas aconteça por causa de um falso escândalo. Aliás, é sintomático da mentalidade actual que, perante algo tão simples como o escrutínio de um grupo cidadãos às posições dos partidos, a Comunicação Social logo vislumbre apoios partidários e maquinações de poder.

Só assim se explica que os jornalistas, que noticiaram exaustivamente o tema, não tenham sido capazes de contactar a Federação Portuguesa pela Vida, autora da campanha, mas apenas os candidatos dos partidos.

A Federação Portuguesa pela Vida limitou-se a fazer o que prometeu fazer em Novembro do ano passado: dar a conhecer publicamente a opinião dos partidos sobre a agenda pró-vida antes do ciclo eleitoral deste ano. Só mesmo quem habitualmente despreza um movimento cívico que congrega milhares de pessoas por todo o país é que foi apanhado desprevenido.

E para quem dúvida da importância desta iniciativa, não posso deixar de relembrar que na legislatura que termina este ano foram apresentados projectos-lei sobre as barrigas de aluguer (aprovado e declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional) e eutanásia (chumbado) sem que estes temas constassem no programa eleitoral dos partidos. Percebo que incomode os partidos serem obrigado a revelar a sua posição sobre temas estruturantes da sociedade. Percebo que prefiram tratar destes assuntos no recato de Bruxelas ou de São Bento. Infelizmente para os partidos, vivemos numa Democracia, e o povo tem o direito de saber o que eles defendem antes de votar.

Este “escândalo”, embora sintomático do mundo fechado onde os partidos e a comunicação social vivem, trouxe uma esperança: a esperança que de futuro os partidos comecem a dar mais atenção aos movimentos cívicos. Se a campanha de informação da Federação Portuguesa pela Vida não tiver mais nenhuma utilidade aos olhos do sistema instalado, que sirva pelo menos para abrir e democratizar um pouco pais o debate político em Portugal.

Membro da Direcção da Federação Portuguesa pela Vida

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