www.publico.ptpublico@publico.pt - 24 mar. 06:25

O buraco negro europeu

O buraco negro europeu

A dependência económica é um cavalo de Tróia de que a China se serve para “invadir” a Europa. Mas os efeitos dessa invasão não são apenas económicos.

Com o “Brexit” ainda pendente, apesar dos mais recentes desenvolvimentos – nomeadamente um grande movimento no Reino Unido a favor da permanência na União Europeia (UE) –, a Europa foi confrontada com a nova ofensiva chinesa que ameaça ganhar adeptos num espaço cada vez mais fragmentado. O Presidente Xi Jinping está outra vez de visita à Europa – depois de uma viagem anterior que o trouxe nomeadamente a Portugal, onde foi acolhido com muita pompa e circunstância – e começou por conquistar terreno em Itália, onde o porto de Trieste será o primeiro grande marco da expansão no nosso continente das Novas Rotas da Seda, esse desígnio global do novo imperialismo (económico, mas não só) chinês.

Antes de ser recebido em Paris, onde deverá reunir-se com Emmanuel Macron, Angela Merkel e Jean-Claude Juncker, Jinping foi alvo de um sinal de advertência contra o abusivo apetite chinês e a falta de reciprocidade nas relações económicas com a UE, em que a balança pende muito excessivamente a favor de Pequim. Uma advertência que, apesar de formulada em termos mais precisos e exigentes do que até agora – sobretudo por parte de Bruxelas, Paris e Berlim –, está longe de ser acompanhada pelos países do Sul mais fustigados pela austeridade (como a Grécia e Portugal) ou pelos países mais “descentrados” a Leste e a Norte, sem falar do Reino Unido. Ou seja: a mesma Europa que manifestou uma unidade singular em relação aos compromissos do “Brexit”, mostra-se de facto dividida sobre as consequências perversas do insaciável apetite chinês.

No momento em que Washington insiste em desligar-se do mundo, o eixo autoritário Pequim-Moscovo, ultrapassando a antiga querela sino-soviética, sente-se estimulado em explorar as fragilidades democráticas do Ocidente e, concretamente, da Europa. É a nova versão da Guerra Fria? – pergunta o editorialista do Le Monde Alain Frachon. Resposta: “Chineses e russos batem-se para legitimar o modo de governo autocrático. A democracia liberal não seria mais o inultrapassável horizonte político que os Ocidentais imaginaram no início dos anos 1990. Moscovo e Pequim contestam a universalidade da versão ocidental dos direitos do homem: nessa matéria, dizem eles, tudo é cultural, logo relativo”.

O actual panorama europeu, com a expansão das correntes xenófobas e populistas, justifica as maiores apreensões sobre o futuro dos valores democráticos e a vulnerabilidade da UE aos cavalos de Tróia autoritários. Um sinal: o político mais activo na frente de combate pelo renascimento da Europa, Emmanuel Macron, encontra-se muito fragilizado no seu país pela contestação social encabeçada pelo movimento dos “coletes amarelos”.

Apesar de ter conseguido um sucesso inesperado com a inovadora experiência do “grande debate nacional” como resposta à insurreição, Macron está longe de ter superado a crise interna e a sua liderança europeia ressente-se inevitavelmente disso. Ora, para além de Macron, o horizonte europeu parece vazio de outras vontades e apostas à altura dos desafios que enfrentamos. Pelo contrário: a Europa mostra-se em refluxo e exposta aos seus próprios fantasmas anti-democráticos de outras eras – que os eixos autoritários hoje dominantes no mundo não deixarão de explorar. O caos do “Brexit” abriu ainda mais as portas do “Democrexit”, enquanto a Europa se vê arrastada para um buraco negro. Todos os alertas não serão demais.

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