rr.sapo.ptrr.sapo.pt - 24 mar. 10:44

Um inglês que se sente culpado pela invasão turística de Lisboa

Um inglês que se sente culpado pela invasão turística de Lisboa

“Rainha do Mar” é o livro que Barry Hatton escreveu sobre a cidade de Lisboa, onde vive há 30 anos. Correspondente da Associated Press, este jornalista diz à Renascença que já se sente português. Pelo menos, do pescoço para baixo.

Os milhares de turistas que fazem fila em Belém para se deliciarem com um pastel de nata, na sua maioria, não sabem porque pomos açúcar e canela. A explicação está no novo livro de Barry Hatton.

Depois de “Os Portugueses”, o jornalista inglês que vive há 30 anos em Lisboa volta a escrever sobre Portugal e lança, agora pela Clube do Autor, o livro “Rainha do Mar” dedicado a Lisboa, a cidade agora “invadida” por turistas.

Hatton sente que, tal como Fernando Pessoa, terá culpas neste aumento de visitantes estrangeiros na capital portuguesa.

Neste livro "Rainha do Mar" percorre a cidade de Lisboa e vai, através dela, contanto a história de Portugal. Que olhar apresenta sobre o nosso país?

O livro foca a história de Lisboa especificamente, mas sendo Lisboa a capital do país e sendo que estamos perante um caso da macrocefalia também, obviamente Portugal passa por aqui, entre milhares de turistas que parece haver nas ruas de Lisboa.

Dizemos que "Lisboa é o país, o resto é paisagem". Um estrangeiro sente isso?

Sim, sente, embora o resto do país tenha imenso valor. Adoro viajar dentro de Portugal, pelo interior, pelo país que não se vê. Mas obviamente Lisboa é o centro do poder, o centro do acontecimento. As pessoas do Porto se calhar não querem ouvir isso, mas de facto é. Em Lisboa, estamos num período um bocado estranho, porque depois daquela crise tão profunda, agora estamos em cima, parece que há uma grande festa, uma grande alegria e que está tudo bem!

É aquilo de que fala no livro, da gentrificação, por exemplo, do bairro de Alfama?

Exatamente. Toda a gente está a tentar "aproveitar", no bom sentido, estes três anos que passaram da crise. Enquanto tudo está a correr bem. Agora, sabendo a história de Portugal sabemos que a seguir, na próxima esquina, há mais uma crise à nossa espera. Uma pessoa tem que ter algum equilíbrio, algum esforço para não se lançar em grandes sonhos e projetos.

Neste livro ficamos a saber um pouco da história de Portugal, a partir da história de Lisboa. Por exemplo, a fila imensa nos pastéis de Belém leva o leitor ao encontro da história dos Descobrimentos, da origem da canela. Faz sempre a ponte entre a atualidade e o passado

Não sei se consegui, mas tento sempre fazer isso. É bom para as pessoas que estão cá agora olharem à sua volta e fazerem uma ligação ao passado para perceberem porque é que as coisas estão como estão. É algo que também tentei fazer no meu outro livro "Os Portugueses". Só começando lá atrás é que uma pessoa percebe. O mesmo se passa com Lisboa. Uma pessoa vai ver em Belém, os pastéis de Belém e aquela coisa de pôr o açúcar e canela em cima do pastel é algo que liga 500 anos de história. Porque foi na expansão portuguesa que veio o açúcar da Madeira e depois do Brasil e as especiarias das Índias. É uma coisa que está cá hoje e veio por causa daquilo que aconteceu há 500 anos.

Escreve que Portugal partiu para a aventura dos Descobrimentos porque estávamos "encurralados pelo gordo gato castelhano"

Sim, não havia outra hipótese. Não se podiam virar para dentro, para a Europa e os Pirenéus por causa dos castelhanos. Agora, olhando para o mar, era a única saída e obviamente exigiu muita coragem, esforço e determinação.


Este “Rainha do Mar” pode ser uma espécie de guia turístico alternativo para a cidade de Lisboa? Para quem nos visita?

Tem coisas. Uma pessoa vai vendo os monumentos e os sítios de Lisboa que são recomendados nos guias turísticos e, uma pessoa pode a partir de aí procurar saber mais e mais pormenores, virando-se para o meu livro. Acho que sim!

Uma das questões que fala é por exemplo, sobre a presença de Fernando Pessoa na cidade de Lisboa e a forma como ele estranhava o facto de os estrangeiros não gostarem de Portugal ou não saberem rigorosamente nada sobre Portugal. Hoje vivemos exatamente o fenómeno contrário

Exatamente. É uma boa questão. Eu escrevo no livro que uma das razões pela qual escrevi o meu primeiro livro "Os Portugueses" foi a mesma razão pela qual Fernando Pessoa escreveu em inglês aquilo que o turista deve ver em Lisboa. Ele estava chateado porque as pessoas estrangeiras não conheciam Portugal ou Lisboa. Eu, pela mesma razão, estava chateado e como correspondente estrangeiro em Lisboa, senti-me um bocado mal não conseguir passar a mensagem lá para fora. Este livro “Rainha do Mar” é também por isso. Agora sinto-me mal ter ajudado a esta invasão de turistas. Tive sucesso a mais!

Sente-se culpado por esta invasão?

Exatamente. Não sei se devia. Mas às vezes sinto.

Sente-se já mais português do que Inglês?

Sim, sim. Digo sempre que sou português do pescoço para baixo, porque a minha cabeça ainda tem aquelas coisas um bocado loucas da pontualidade, a doença de "tenho que chegar a tempo". Ao mesmo tempo, a minha barriga gosta muito da comida portuguesa.

Vai continuar a querer escrever sobre os portugueses

Gostava, mas agora não sei onde é que vou agora "colher mel", como se diz em inglês. Deve haver mais ou muito mais à minha espera. Ainda não decidi.

Se calhar o Porto vai ficar à espera que escreva sobre a cidade…

Se calhar, mas gostava de ir viver uns tempos para o Porto, mas não sei se vai ser possível. Eu adoro o Porto. Acho uma cidade fantástica, gosto imenso das pessoas de lá, mas convém conhecer a fundo antes de começar a escrever.

Foi isso que fez em relação a Lisboa? Teve de fazer muita investigação antes de começar a escrever?

Sim, passei seis a oito meses a fazer pesquisa. Lendo livros, embora viva em Lisboa há mais de 30 anos. Mesmo conhecendo a cidade, quando uma pessoa vai mais afundo descobre tesouros. São as histórias todas que conto neste livro. Claro que quando se vive cá, uma pessoa não vê tantas coisas. O turista vê o que nós não vemos. Descobrem aqui uma cidade única na Europa, com muitas vantagens e muitas coisas ótimas. Nós como já vivemos cá, estamos sempre a queixarmo-nos dos transportes, do tempo, não apreciamos! Acho que me ajudou muito ir ver essas coisas e ir visitando com a minha mulher que é portuguesa, os sítios aos fins-de-semana.

Qual é para si a história mais curiosa, que mais o surpreendeu como um inglês em Lisboa?

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