expresso.ptexpresso.pt - 24 mar. 08:00

É branco, negro, cigano ou asiático? O Censos quer saber

É branco, negro, cigano ou asiático? O Censos quer saber

Grupo de trabalho nomeado pelo Governo vai recomendar a inclusão inédita de pergunta sobre origem étnica. Decisão é muito polémica. Na UE são raros os países que o fazem

Esta é a semana de todas as definições. O grupo de trabalho nomeado pelo Governo para estudar a inclusão no próximo Censos de uma pergunta inédita que permita caracterizar a composição étnico-racial da população em Portugal deverá dar luz verde à introdução da questão, de resposta voluntária, que a grande maioria dos países europeus não coloca.

A decisão não é consensual dentro do grupo de trabalho, que integra peritos académicos, representantes das minorias étnicas e entidades públicas como o Alto-Comissariado para as Migrações. Ainda assim, há maioria para recomendar que o Censos 2021 questione a população sobre a origem étnica. A delicadeza da questão é tal que as divergências entre os membros do grupo ficarão explícitas no relatório. A decisão final caberá ao INE, organismo independente que conduz o Censos e que já manifestou capacidade técnica para integrar a pergunta.

Além de terem sido constituídos focus groups, foi realizada uma sondagem para avaliar como a introdução da pergunta seria recebida pela população, e a resposta terá sido positiva à integração. “Se a maioria do grupo de trabalho é a favor da questão, seria estranho que o relatório não refletisse esse resultado”, disse ao Expresso um dos participantes, pedindo o anonimato.

A pergunta deverá ter uma formulação complexa, associando a origem racial ao sentimento de pertença a um grupo étnico, pedindo aos inquiridos para se autoidentificarem. Embora o processo não esteja concluído, dentro do grupo de trabalho a maioria dos membros defende que se recorra à apresentação de grandes grupos étnicos — branco, negro, asiático, cigano, misto ou outros — e que a pessoa possa ‘inscrever-se’ em mais do que uma categoria (cigano e branco, por exemplo). Caberá ao próprio inquirido, de forma voluntária, autoidentificar-se. A resposta será facultativa e o anonimato ficará defendido pela lei de Proteção de Dados.

O relatório vai apontar as vantagens de introduzir a questão — como a necessidade de ter mais informação para combater eficazmente a discriminação. Mas vai também alertar para eventuais riscos, como a possibilidade de os dados sobre a composição étnico-racial serem utilizados para acirrar o racismo.
Nos Estados Unidos e no Canadá a recolha já se faz. Na União Europeia, a pergunta é colocada à população na Eslovénia, Itália e Reino Unido — a principal referência para quem propõe que o modelo seja seguido em Portugal. No Brasil, também é possível inquirir sobre a origem étnica da população; essa informação é depois utilizada para a adoção de medidas de correção das desigualdades sociais, como a existência de quotas para minorias no acesso às universidades.

Em Portugal, vários grupos representativos das minorias étnicas também defendem que, uma vez obtida esta informação, os dados sejam usados para a adoção de medidas de discriminação positiva, como a introdução de quotas na Função Pública. “É preciso assumir a recolha de dados étnicos para poder avançar com medidas de ação afirmativa, como a imposição de políticas de quotas de acesso às universidades e cargos na Função Pública”, defendeu esta semana ao Expresso Beatriz Dias, dirigente da Associação de Afrodescendentes.

Têm sido feitas recomendações internacionais, no contexto das Nações Unidas, para que Portugal passe a dispor de informação referente à origem étnica e racial da população, o que foi invocado pelo Governo no despacho que criou o grupo de trabalho, em agosto do ano passado. A crescente pressão social no mesmo sentido por parte dos grupos de afrodescendentes terá contribuído para a decisão de avançar.

Legalidade garantida

As dúvidas sobre a legalidade da iniciativa estão afastadas, e é o próprio despacho de criação do grupo de trabalho que explica, à partida, que a medida tem por base o artigo 35º da Constituição, que permite o tratamento informático de “dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica”, desde que com o “consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não-discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis”.

“Assumindo-se que tal informação é passível de ser recolhida, desde que voluntariamente e em cumprimento do enquadramento legal português, o XXI Governo Constitucional considera relevante a reflexão sobre a matéria, tendo em vista a produção de resultados passíveis de serem vertidos no Censos 2021”, pode ler-se no despacho. Ou seja, para o Governo de António Costa, a pergunta sobre os grupos étnicos deve ser feita; agora caberá ao Conselho Superior de Estatística recomendar formalmente ao INE a inclusão da pergunta, e o INE pôr em prática.

O Reino Unido começou a questionar a população sobre os grupos étnicos a que pertencem em 1991 e, em 2007, o equivalente do INE britânico fez uma consulta pública para saber o que as pessoas pensavam das 16 categorias utilizadas no Censos de 2001. O resultado foi que uma grande maioria dos questionados revelaram concordar com a inclusão da questão: “Qual é o seu grupo étnico?”

O mecanismo foi aprimorado e no Censos de 2011 já foram apresentadas 18 alternativas de resposta. Ou seja, no Reino Unido, para cada categoria (branco, misto, asiático, negro ou outros), há várias subcategorias. Por exemplo, para a categoria branco, há quatro subcategorias, também elas subdivididas — inglês, galês, escocês, irlandês do norte e britânico; irlandês; cigano; outro grupo branco, por favor descreva”. Para a categoria negro, há três subcategorias: africano; caribenho; qualquer outro negro, por favor descreva”.

Em Portugal, o relatório final do grupo de trabalho, de grande dimensão, resulta de uma reflexão desenvolvida ao longo de um ano e será entregue à secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro. Deverá ser entregue dentro do prazo previsto, ou seja, até ao fim deste mês.

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