sol.sapo.ptsol.sapo.pt - 24 mar. 15:57

Zona franca sob fogo

Zona franca sob fogo

Comissão Europeia abriu um investigação aprofundada às isenções fiscais concedidas – só em 2017, totalizaram 77 milhões de euros.

As isenções fiscais concedidas às empresas instaladas no centro de negócios da Zona Franca da Madeira (ZFM) ascenderam a 77 milhões de euros em 2017 e a sua grande maioria diz respeito a benefícios de IRC. Um número que fez soar os alarmes junto da Comissão Europeia, que anunciou ter avançado com uma investigação aprofundada às isenções fiscais concedidas a estas empresas, alertando para a existência de «sérias dúvidas quanto à compatibilidade do regime executado por Portugal com o mercado interno», e lembrando que «constitui um auxílio ilegal», por poder haver incumprimento das regras aplicáveis aos auxílios estatais.

O objetivo de Bruxelas é simples: quer saber se os lucros das empresas que beneficiaram de reduções de IRC foram obtidos exclusivamente de atividades realizadas naquela zona franca e se as empresas beneficiárias criaram e mantiveram efetivamente empregos na região. E, se chegar à conclusão de que houve incumprimento das condições, poderá implicar a devolução dos benefícios fiscais em causa por parte das empresas que não tenham cumprido.

O Ministério das Finanças reagiu quase de imediato, garantindo que a Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT) e a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Madeira (AT-RAM) têm desenvolvido «processos inspetivos» direcionados aos postos de trabalho das empresas instaladas na Zona Franca da Madeira. «No exercício das suas competências, quer a AT, quer a AT-RAM, procedem à análise da informação declarativa fiscal e contributiva disponível relativamente às empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira [ZFM] e têm vindo a desenvolver, em ações regulares, processos inspetivos, também direcionados aos postos de trabalho de empresas auditadas», referiu fonte oficial do Ministério de Mário Centeno.

Estas ações regulares de processos inspetivos são justificadas pelo facto de a criação e manutenção de emprego ser um dos requisitos que condiciona a atribuição do benefício fiscal às empresas da ZFM e que se materializa essencialmente no pagamento de uma taxa de IRC de 5%.

Uma justificação que já tinha sido dada a Bruxelas, mas que não convenceu o executivo comunitário. Isto porque, para a Comissão Europeia, a localização dos postos de trabalho fora da região autónoma não devem ser levados em conta para o cálculo do número de empregos. «As atividades realizadas pelos trabalhadores fora da região não podem ser consideradas material e efetivamente realizadas na Madeira, apesar de as receitas geradas poderem ser atribuídas a empresas localizadas na ZFM. A criação de emprego pela empresa beneficiária fora da região não serve qualquer objetivo de desenvolvimento económico real da região da Madeira», salienta no relatório. 

Os últimos dados apontam para uma isenção de imposto de 76,2 milhões de euros em 2017. Trata-se do valor mais baixo desde 2010 – último ano em que existe informação publicada. Nessa altura, estavam instaladas naquele espaço 1.498 entidades, das quais 1.006 reportaram ter trabalhadores residentes na Região Autónoma. O número total destes trabalhadores era de 3.195. No entanto, de acordo com o relatório preliminar da Comissão Europeia é apontado que, em 2012, 40% dos empregos das empresas beneficiárias da ZFM relativamente aos quais foram concedidos benefícios fiscais referem-se a membros de Conselhos de Administração. Em 2013, aquela percentagem foi de 30%.

Benefícios foram sofrendo alterações
Desde a sua criação, em 1987, até 2014, a Comissão Europeia aprovou várias versões do regime de auxílios à Zona Franca da Madeira. Uma dessas mexidas diz respeito à taxa de IRC, que passou de 3% (entre 2007 e 2009) para 4% (de 2010 a 2012), até chegar aos atuais 5% – que estará em vigor até 2020. Além disso, as instituições financeiras deixaram de poder beneficiar do regime.

Foram também apertados os critérios de criação e manutenção de emprego para que se possa beneficiar daquela taxa de imposto reduzida.

O que é certo é que estas mexidas acabaram por ter reflexo no valor das isenções fiscais concedidas em sede de IRC, daí ter caído de 813,9 milhões de euros em 2011 para 159,9 milhões de euros no ano seguinte. Já em 2013 e 2014, aqueles montantes registariam uma ligeira subida, para os 168 milhões e 201 milhões de euros, respetivamente.
De 2015 em diante, a tendência tem sido de queda, com a isenção do imposto que incide sobre o lucro das empresas a diminuir para 135 milhões de euros naquele ano, para 103 milhões de euros no seguinte e para 76,2 milhões de euros em 2017 – ano em que o valor total das isenções de IRC rondou os 1,08 mil milhões de euros.

Esquerda arrasa
Mas se do lado do PS e do PSD o silêncio se mantém em torno dos benefícios que são atribuídos neste espaço, do lado da esquerda a resposta é arrasadora. O BE não tem dúvidas e fala mesmo em «fraude». Para Mariana Mortágua, o Governo «não pode continuar a fingir» não saber do que se passa, revelou ao Público. «Os mecanismos de criação de postos de trabalho não são cumpridos, são uma brincadeira. Há muito tempo que isto é sabido», disse a deputada. 

Já o PCP, ao mesmo jornal, lembrou que «é uma realidade que todos sabiam há muitos anos» e não era preciso a UE dizê-lo. Para Paulo Sá, o que é preciso é «avançar com medidas para a extinção e não para responder a este relatório». E, disse, esta solução já tem anos de atraso.

Também segundo o Público, só o CDS mostrou preocupação e declarou esperar que o Governo aja em defesa da zona franca.

NewsItem [
pubDate=2019-03-24 16:57:00.0
, url=https://sol.sapo.pt/artigo/651051/zona-franca-sob-fogo
, host=sol.sapo.pt
, wordCount=881
, contentCount=1
, socialActionCount=17
, slug=2019_03_24_140648108_zona-franca-sob-fogo
, topics=[comissão europeia, isenções fiscais, economia]
, sections=[economia]
, score=0.000000]