expresso.ptexpresso.pt - 24 mar. 14:00

Líbia: Só o voto pode unir um país dividido

Líbia: Só o voto pode unir um país dividido

Com o país sem lei nem ordem, a ONU promove uma conferência para juntar todas as fações políticas líbias. Todas? Há quem tema que não

A lista de entre 120 e 150 delegados à conferência nacional de reconciliação promovida pelas Nações Unidas — que vai decorrer na cidade líbia de Ghadames de 14 a 16 de abril — resultou de um périplo por 57 cidades, no ano passado, em consultas e conferências com as autoridades locais.

Aguardados com expectativa, estes dias de debate entre fações foram descritos como o “início de um novo caminho para o país” pelo enviado especial da ONU para a Líbia (UNSMIL), Ghassan Salamé, no Conselho de Segurança, em Nova Iorque, quarta-feira.

Teme-se, porém, que se materializem os sinais dados pelo chefe militar Khalifa Haftar, líder da administração do leste da Líbia, de que estaria disposto e seria capaz de tomar o país pela força, incluindo Tripoli, onde há outro Governo sem reconhecimento internacional e um Conselho da Presidência resultante de um acordo patrocinado pela ONU. Por outro lado, a lista de participantes na conferência pode deixe por representar parte da população.

Com o país dividido, o encontro de abril é da maior importância, pois visa encontrar datas para uma nova Constituição e para convocar eleições legislativas e presidenciais.

Quem exprime ao Expresso o receio de uma conferência pouco representativa são dois representantes da força política que apoia Saif Al-Islam Kadhafi, segundo filho do ex-líder líbio Muhammar Kadhafi. Mohamed Gilushie e Mohamed Alghoddi incluíram Portugal no seu périplo europeu, que pretende mostrar a sua visão para resolver a crise líbia “a quem a desconheça ou não reconheça”. Referem-se a políticos que possam ser sensibilizados para a candidatura do filho de Kadhafi às eleições apontadas para o final deste ano, com apoio da ONU, conforme acordado numa reunião na semana passada, nos Emirados Árabes Unidos, por Fayez Al-Sirraj, presidente do Conselho Nacional (governo de Tripoli) e Khalifa Haftar, líder do governo de Tobruk.

Saif Al-Islam foi considerado a segunda figura mais conhecida naquele país do Norte de África. Preso até 2018, julgado e libertado sob amnistia parlamentar, o filho do ditador morto em 2011 vive em Tripoli, onde explora a popularidade e o apoio de que goza “entre as maiores tribos e a maior parte da juventude” para preparar uma candidatura à presidência. Esta tem a aprovação de Salamé, apesar de Saif ser alvo de um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional por crimes contra a Humanidade e alegada responsabilidade na tortura e assassínio de civis durante a sublevação de 2011.

Votos incertos

“As eleições têm de ser abertas a todos”, declarou Salamé, incluindo grupos políticos que participaram em governos antes de 2008. A viver na Alemanha desde 2011, Gilushie, chefe de gabinete e protocolo, enviado especial para assuntos externos do primeiro-ministro, e Alghoddi, ex-ministro dos Transportes e presidente da empresa líbia de ferro e aço, temem que não seja assim.

Uma lei de exclusão política impediu-os de exercerem direitos e de participarem em decisões. O convite da ONU poderá, a seu ver, ser aproveitado por quem pertencia ao governo em 2008 “e contribuiu junto da ONU para acelerar a destituição de Kadhafi”, ilustra Alghoddi. “Não pedimos apoio pessoal. Queremos estabilidade no país, segurança para o povo. Estamos contra a intervenção do Daesh na Líbia, contra a imigração ilegal e queremos um processo democrático”, diz o ex-ministro, sublinhando que “qualquer estrutura democraticamente eleita” contará com o seu apoio.

Ao longo da conversa, os apoiantes de Saif Al-Islam vão clarificando a situação do país. Os serviços praticamente não existem, há zonas onde “falta a energia elétrica 14 horas por dia, não há liquidez nos bancos, nem gasolina nem medicamentos”. A insegurança cresce e nenhuma autoridade controla as armas. Há raptos e milícias que dominam vastas áreas. A administração está refém desses grupos e sustenta-os “a partir dos cofres da banca estatal, que inclui depósitos dos cidadãos”, acrescenta Alghoddi, citando informação que recebe das tribos no país.

“Perguntavam-me se a Líbia é um Estado falhado? Com certeza!”, esclarece Gilushie. “As administrações não têm estrutura, a justiça não tem poder para impor a execução das suas ordens”. “Vai ser difícil, mas possível. A maioria que lutou contra o regime em 2011 está pronta para a mudança”, conclui Alghoddi, sublinhando que Saif Al-Islam é a pessoa certa para liderar a união necessária.

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