expresso.ptexpresso.pt - 24 mar. 17:00

Um assunto para levar a peito

Um assunto para levar a peito

A peça de roupa que raramente se vê, mas sobre a qual há muito para dizer

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Foi preciso inventá-lo, porque ele não anda cá desde sempre. E mudou de formato e estilo inúmeras vezes até chegar à pequena peça de roupa interior que ninguém vê — mas que é a estrela de um mercado de milhões de euros. A sua viagem começou na Roma Antiga quando as mulheres decidiram envolver o busto numa faixa de pano. Daí até ao espartilho foi um salto mas só séculos depois é que surgiu o sutiã. Foi há 105 anos e desde então muita coisa mudou na vida desta peça de roupa que nunca perdeu espaço no armário das mulheres.

“O conceito de roupa interior como atualmente o conhecemos só surgiu na Idade Média, com a chemise, uma túnica que era curta para os homens e comprida para as mulheres”, explica Isabel Marcos, professora da Lisbon School of Design. Tudo ganhou outras proporções durante o século XV, quando o ideal era ter uma cintura mais fina e, como tal, apareceu o espartilho feito de linho endurecido, com o nome de stays ou bodices. Este seria o começo de anos muito dolorosos para as mulheres.

Com o passar do tempo, o espartilho foi ficando cada vez mais rígido e apertado. “Foram introduzidas as barbas de baleia e um bastão de madeira ou osso na frente a que se deu o nome de busk. No século XIX passou a ser de metal”, conta Isabel Marcos. Mudou de forma e estilo até ao final do século XIX e entre os mais famosos estão o Tudor, o Isabelino (de Elizabeth I), o Rainha Maria II, o Vitoriano e o Eduardino/Eduardiano.

Os anos penosos, feitos de muitas costelas partidas, duraram até em 1914, quando a americana Caresse Crosby pegou em dois lenços de seda dobrados ao meio e em fitas de cetim e criou o primeiro sutiã. Patenteou a invenção, mas vendeu-a à Warners, que duas décadas depois já tinha vendido milhões de sutiãs e introduzido uma novidade: as copas A, B e C.

Em 1930 apareceu o bullet bra, um sutiã com a forma de um cone, popular entre mulheres famosas como Marylin Monroe ou modelos Pin-up. A moda, já se sabe, é cíclica e no romper dos anos 90, o bullet bravoltou a dar que falar quando Madonna subiu ao palco — na Blond Ambition Tour — e quebrou tabus ao usar roupa interior como indumentária performativa e peça de roupa exterior. Uma tendência cada vez maior hoje em dia.

SUTIÃS HÁ MUITOS

Pode ter levado séculos até aparecer mas quando chegou o sutiã veio em todos os formatos: os primeiros almofadados foram o push-up bra e owonderbra. O americano Frederick Mellinger decidiu perguntar aos colegas do exército sobre o tipo de lingerie que gostavam que as namoradas usassem e criou o push-up bra. Em 1961 chega o wonderbra, batizado pela dona da patente — a Canadian Lady Corset Company — como Wonderbra 1300.

As rotinas femininas mudaram e a partir de 1970, a mulher começa a desempenhar outros papéis na sociedade, o que exigiu uma mudança na roupa interior, de modo a tornar-se mais confortável. De forma a maximizar este conforto as canadianas Hinda Miller, Polly Smith e Lisa Lindahl inventaram o primeiro sutiã desportivo, o sports bra.

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O espartilho não voltou, mas foi inventada uma versão diferente: o corpete, que apoia o peito e molda o corpo. A peça foi reinventada nos anos 1980 por estilistas como Christian Lacroix, Vivienne Westwood, Thierry Mugler e Jean-Paul Gaultier e era comum na subcultura punk.

O Wonderbra não caiu no esquecimento e na década de 90 foi protagonista da campanha de Eva Herzigova com a frase “Hello Boys”. O anúncio foi tão polémico que chegou a estar exposto no museu Victoria & Albert, em Londres. Em 2016, a Victoria’s Secret apresentou ao mundo o sutiã mais caro de sempre, um Fantasy Bra, avaliado em 2,7 milhões de euros, com nove mil pedras preciosas e 700 horas de trabalho. A Victoria’s Secret é uma referência no universo dos sutiãs. Encomendar um sutiã, através do site da marca, pode custar entre 20 e 40 euros. A partir dos 100 euros de compras os portes são gratuitos, para Portugal.

A CIÊNCIA DO SUTIÃ

As grandes marcas de lingerie, como a Charmelle 28, apresentam as coleções duas vezes por ano, em grandes feiras por toda a Europa — Alemanha, França, Polónia ou Inglaterra. A polaca Inês Basek é uma das mais assíduas na feira de Birmingham. Fundou há nove anos a Dama de Copas, depois de a sócia e compatriota, Margarida Furst, ter chegado à conclusão de que nas lojas portuguesas ninguém a conseguia ajudar na escolha do sutiã certo. As duas moram em Portugal.

O conceito da Dama de Copas começou com consultas de bra fitting(consultas de aconselhamento, onde uma consultora de lingerie ajuda a descobrir qual é o tamanho e modelo mais adequado para cada cliente). Hoje ninguém sai da loja com um sutiã sem passar por um bra-fitting. Em cada uma das nove lojas que a marca já tem, há 123 tamanhos diferentes de sutiã. Do 28 ao 46 de costas e todas as copas que existem: da A (a menor) até à K (a maior), passando por todas as letras do abecedário — esta é a única marca em Portugal que tem sutiãs até à copa K. As grandes marcas de venda a retalho, habitualmente, só vendem 3 tipos de copa — a que Inês chama “lingerie de massa”. “Essas marcas só vendem sutiãs acolchoados, com o mesmo formato e padrão. Não têm grande engenharia por trás e acabam por não cumprir a função para que são vestidos — sustentar”, explica Inês.

Inês, além de fundadora, é também uma das consultoras de bra fitting da Dama de Copas e quanto a mitos e factos sobre o uso do sutiã não tem dúvidas: dormir com sutiã não é prejudicial e, conforme o tamanho do peito, ajuda a dar estabilidade e aconchega. O mais recomendável, para quem prefere dormir com sutiã, é que seja sem aros. O peito descai se não usarmos sutiã? Sim, descai. Como o próprio nome diz (soutien: apoio em francês) serve para sustentar duas partes do corpo.

A mama não tem músculo, é constituída pela glândula mamária (maior ou mais pequena) e gordura, além de nervos e ligamentos suspensores de Cooper — que esticam e encolhem conforme o corpo se movimenta. Esses ligamentos podem partir-se e o peito descai. Por isso mesmo, Inês Basek salienta a importância do uso de sutiã desportivo — cujo propósito é o de que o peito não se mexa. Usar o tamanho errado é um dos maiores flagelos no que toca ao sutiã. Se está pequeno, os aros magoam o peito. Se está grande, não cumpre a função para que é usado. Com o tamanho certo, os aros abraçam o peito.

O verão é a altura do ano em que se vendem mais sutiãs na Dama de Copas. Tantos que Inês admite não ser necessário fazer saldos: as vendas triplicam, ou não fosse a altura em que a roupa interior deixa de ser tão interior. Em contrapartida, no inverno fazem descontos em quase toda a época. Apesar de as portuguesas serem mais conservadoras quando falamos de lingerie, a Dama de Copas tenta que as clientes arrisquem e levem para casa sutiãs mais sofisticados. A maior parte das mulheres que entra na Dama de Copas prefere um sutiã prático e que condiz com toda a roupa — por norma, bege e com renda nas alças.

MANDAMENTOS DO SUTIÃ

• Evitar lavar na máquina. Lavar à mão com água morna (20°) e secar à sombra

• Usar um sabão suave

• Ter três a quatro sutiãs para poder variar durante a semana

• Para estrear um novo sutiã numa ocasião específica, é importante ser usado antes, de modo a habituar o peito

• Quando o sutiã é novo deve estar apertado no último colchete e a banda das costas deve ficar na horizontal

• Ao vestir o sutiã, deve deixar dois dedos de espaço entre a alça e o ombro

• Fazer um bra fitting é essencial para descobrir o tamanho ideal

• Verificar o tamanho a cada seis meses

• Quando cumpridos todos os mandamentos, um sutiã pode durar entre três e quatro anos

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