www.publico.ptopiniao@publico.pt - 23 mar. 02:00

A salvação do vinho do Porto talvez seja a paciência e a simplicidade

A salvação do vinho do Porto talvez seja a paciência e a simplicidade

O vinho do Porto precisa de ser mais imediato, mais simples, mais puro, mais respeitado e mais delicioso. O vinho do Porto de agora é para todos os gostos: há Porto para os pobres, Porto para os ricos, Porto para quem não sabe o que bebe e Porto par

Não compreendo por que é que o vinho do Porto não é concebido (e vendido) como um aperitivo e um acompanhamento perfeito de pastelaria ou sobremesas.

Há muitos anos, nos Pastéis de Belém, perguntei a uma das directoras qual era o melhor acompanhamento para um pastel de nata. Era um bom vinho do Porto.

Um bom vinho do Porto é pelo menos um LBV ou um Tawny de dez anos, um Crusted ou um Colheita com um mínimo de dez anos. Os vinhos do Porto mais novos não prestam – só prestam um mau serviço à causa do vinho do Porto.

Se é para falar de milagres, não se deve ter medo da palavra: os milagrosos Tawnies merecem todos os nossos cuidados

É verdade que os franceses bebem mau vinho do Porto como aperitivo mas isso é uma questão cultural. Os aperitivos franceses tendem a ser doces e baratos. A inteligência francesa é beber aperitivos. A qualidade desses aperitivos é outra questão.

A melhor coisa que podia acontecer à indústria de vinho do Porto seria suspender as vendas durante sete anos, dando oportunidade aos vinhos para envelhecer. A partir daí teriam sempre vinhos com um mínimo de dez anos.

Tenho observado a reacção de pessoas mais novas ao vinho do Porto. São os jovens que deveriam ser mais aliciados para o vinho do Porto. Muitos deles acham que os vinhos são excessivamente alcoólicos. E, de facto, 20 graus é muito. Escorregaria muito melhor se tivesse menos aguardente e menos graduação.

Pondo de parte a questão da qualidade da aguardente que se mistura com o vinho (e que tem vindo a melhorar nas casas mais cuidadosas), é triste que em Gaia e no Douro não haja experiências para reduzir a aguardente e obter um vinho do Porto menos artificiado. No Jerez têm-se feito manzanillas e finos de boa qualidade sem aguardente. Em Montilla-Moriles fazem-se finos maravilhosos com uva PX sem qualquer aguardente.

A tragédia do vinho do Porto é ser muito bom - mas quase ninguém sabe

Não é para estar a ressuscitar os sonhos do Barão de Forrester, mas um vinho do Porto com 15 ou 16 graus sem qualquer aguardente não seria uma novidade irresistível?

Outra coisa que afasta as pessoas é a complicação do vinho do Porto. Como exercício mental, imagine-se que se acabava com as declarações de Vintage, os Colheitas, os Crusted, os LBV. Ficariam apenas os vinhos do Porto de cada ano.

Acontece o mesmo com os vinhos de Bordéus, da Borgonha e de toda a parte. Nos anos melhores de todos, as casas poderiam acrescentar um “V” ao rótulo, mas não seria preciso. O mercado encarrega-se de apurar quais são os anos melhores e piores.

Acho que o sistema presente em que só se declaram os melhores anos é prejudicial. Os maravilhosos vinhos que se engarrafam como Quintas do ano que não foi declarado são injustamente vistos como not good enough.

Quanto aos tamanhos das garrafas, o vinho do Porto tem feito progressos, havendo garrafas de dois decilitros, 3,75 decilitros e meio litro. Dois decilitros é o tamanho ideal para uma garrafa de Porto Vintage. Poderia envelhecer em garrafa normal o tempo que fosse ideal (conforme a opinião de cada casa) e depois ser transferido para uma garrafa pequena para ser vendida.

É terrível comprar uma garrafa inteira, decantá-la, beber dois ou três copos e deixá-la estragar-se. Bem sei que um aparelho da Coravin custa 200 euros e que essa despesa se amortiza num instantinho – mas ainda há em muitas cabeças (incluindo a minha) uma barreira por ultrapassar.

a quem sabe. Porque é que todo o Porto não é muito bom, como está mais do que demonstrado que pode ser? Seria mais caro? Claro – mas é fácil perceber porquê. É por causa do tempo que precisa de esperar e da arte de quem o envelhece em vidro ou em madeira. E por ser muito bom.

P.S. Durante os últimos quinze dias, tenho estado a provar Colheitas de 2000 e 2002 e fiquei decepcionado, comparando-os com Tawnies de dez ou 20 anos. Acho que é dinheiro mal gasto. Longe de ser uma crítica, é um elogio à perícia com que as casas do vinho do Porto loteiam os vinhos. Os Colheitas demonstram que até os anos bons precisam de ajuda – de outros anos, para refrescar e alicerçar.

NewsItem [
pubDate=2019-03-23 03:00:00.0
, url=https://www.publico.pt/2019/03/23/fugas/opiniao/salvacao-vinho-porto-paciencia-simplicidade-1866091
, host=www.publico.pt
, wordCount=709
, contentCount=1
, socialActionCount=3
, slug=2019_03_23_1752384034_a-salvacao-do-vinho-do-porto-talvez-seja-a-paciencia-e-a-simplicidade
, topics=[opinião]
, sections=[opiniao, vida]
, score=0.000000]