expresso.ptexpresso.pt - 16 jan. 08:00

Aguiar Branco critica estratégia de Rio, apoia o desafio de Montenegro e renuncia ao mandato de deputado

Aguiar Branco critica estratégia de Rio, apoia o desafio de Montenegro e renuncia ao mandato de deputado

Em entrevista ao Expresso, o ex-ministro da Justiça e da Defesa subscreve o desafio de Montenegro a Rio, porque considera que o líder do PSD foi incapaz de construir uma alternativa clara e inequívoca ao PS. Acha que há tempo para essa clarificação da liderança em diretas, e que isso seria benéfico. Anuncia a renúncia ao mandato de deputado e que não será candidato em outubro. Também não vai ao Conselho Nacional - mas defende que o voto seja secreto

José Pedro Aguiar Branco conhece Rui Rio desde que ambos, após o 25 de abril, se inscreveram na JSD e partilharam muitas lutas internas, primeiro do lado de Sá Carneiro, depois apoiando Pinto Balsemão. Politicamente mantiveram-se próximos e cúmplices por muitos anos. Mas já não o são. Nesta entrevista, o ex-ministro da Justiça e da Defesa assume uma divergência estratégica profunda em relação a Rio: entende que o país precisa de um PSD que seja uma “alternativa clara e inequívoca” ao PS e ao Governo, mas lamenta que o atual líder não tenha sido capaz de protagonizar essa alternativa.

Por isso, Aguiar Branco compreende e concorda com o desafio que Luís Montenegro fez à liderança. Entende que há tempo suficiente para o PSD fazer essa clarificação em diretas e arrumar a casa antes do arranque do ciclo eleitoral, e até considera que fazer esse debate agora pode ser benéfico para relançar o partido.

Na véspera do Conselho Nacional que irá decidir o futuro de Rio, Aguiar Branco toma um lado, mas também anuncia que vai renunciar ao seu mandato de deputado. Recusa a tendência para a profissionalização e funcionalização da atividade política. Aliás, vê na marcação do Conselho Nacional para as cinco da tarde de um dia de semana um exemplo dessa funcionalização. E não entrará nas próximas listas de candidatos, deixando claro que os críticos de Rio não o fazem porque estão “agarrados aos lugarzinhos”.

Luís Montenegro desafiou Rui Rio para disputar eleições diretas já, fazendo um retrato muito negativo deste ano de liderança. Qual o seu balanço do estado do PSD? Revê-se nas críticas feitas por Luís Montenegro?

A minha primeira preocupação é com o país. é importante para o país que haja a afirmação clara e inequívoca de uma alternativa ao PS e ao atual Governo, e a minha divergência de estratégia política é porque hoje verifico que essa alternativa não é visível nem é reconhecida pelos portugueses. O PSD não pode ter como objetivo central os acordos de regime com o PS, como parece ser, isto não faz sentido. Como pessoa atenta ao que se passa no país, acho que é o interesse nacional que reclama que haja uma alternativa clara e inequívoca a esta governação, e que o presidente do PSD seja uma alternativa clara e inequívoca a António Costa. Por tudo isto não me revejo na estratégia que o partido tem seguido até agora.

Isso significa que concorda com o desafio feito por Luís Montenegro, para que se abra neste momento uma disputa de liderança do PSD?

Achando eu que é o interesse nacional que reclama essa afirmação de uma alternativa, acho que esta situação justifica o desafio que Luís Montenegro lançou. Repare que sempre que o PSD foi vitorioso em eleições foi quando se afirmou de forma inequívoca como alternativa ao PS. Foi assim com Sá Carneiro, quando constituiu a primeira Aliança Democrática, foi assim com Cavaco Silva quando se mostrou contrário ao Bloco Central, e foi assim também com as maiorias que aconteceram com Durão Barroso e Passos Coelho. Esse reconhecimento de uma alternativa não existe neste momento, e é isso que permite compreender o desafio que foi feito por Luís Montenegro.

“Esse reconhecimento de uma alternativa [de direita ao PS] não existe neste momento, e é isso que permite compreender o desafio que foi feito por Luís Montenegro”

“Esse reconhecimento de uma alternativa [de direita ao PS] não existe neste momento, e é isso que permite compreender o desafio que foi feito por Luís Montenegro”

Apesar do timing? Rui Rio e os seus apoiantes têm salientado que estamos a três meses da campanha das europeias, e há mais duas eleições este ano…

Para mim o mais importante é a afirmação do PSD como alternativa, essa é a prioridade para que no ato eleitoral os portugueses possam ter escolhas claras. E como tem sido dito, a história do PSD mostra que nunca estas questões de timing, de estar mais ou menos próximo de eleições, impediram que o PSD se afirmasse como alternativa. Bem pelo contrário. Até acredito que estes momentos de clarificação e de discussão fortalecem o partido. Não foram poucas as vezes em que isso aconteceu no passado. Lembro-me quando Marcelo Rebelo de Sousa era presidente do PSD, e a escassos meses de umas eleições europeias houve um problema de substituição de liderança do partido, Durão Barroso indicou, como líder indigitado do partido, os candidatos do PSD; e passados uns meses Durão Barroso foi primeiro-ministro. Há uma idiossincrasia própria do PSD, a história do partido mostra que estes são momentos que fortalecem a sua dinâmica.

Ou seja, não só faz sentido o desafio à liderança, como o ideal seria resolver tudo o mais depressa possível, com diretas já?

Faz sentido o desafio, e não vejo problema de timing para se abrir um processo nesse sentido. A questão que o timing coloca é a responsabilidade de construirmos uma alternativa forte a tempo e horas.

Quinta-feira, no Conselho Nacional, a votação da moção de confiança deve ser de braço no ar ou por voto secreto? Ou nominal, como propôs Mota Amaral?

Eu não domino muito as questões regimentais, mas acho que tudo aquilo que permita uma expressão inequívoca e sem qualquer espécie de suspeita é positivo. É um facto que uma votação secreta é muito mais correta para questões desta natureza. Eu, se fosse presidente do partido, era essa que seguiria.

Apesar de não poder votar, pode ir ao Conselho Nacional, pois tem inerência como deputado. Vai lá?

Deixe-me enquadrar a questão. Já há várias semanas que eu tinha tomado uma decisão de fundo para a renúncia ao meu cargo de deputado. Há uma tendência geral, desde há algum tempo, para afastar pessoas que não sejam profissionais da política, que não dependam de política e tenham uma vida profissional ativa. É uma tendência para a funcionalização, mesmo em cargos que resultam de atos eleitorais, como é o cargo de deputado. Só o PCP é que tinha esta lógica, todos os outros partidos, incluindo o meu, privilegiavam quem tivesse atividade profissional e não dependesse da política, mas hoje há a tendência contrária. A hora para que foi marcado o Conselho Nacional do PSD, numa quinta-feira às 17h, é um bom exemplo dessa funcionalização com que eu não estou de acordo. Isto não é um problema só para os deputados, é para todos os militantes que têm uma vida profissional ativa. Esta marcação de um Conselho Nacional para uma quinta-feira às 17h no Porto, é um bom exemplo dessa profissionalização, essa funcionalização, que tem de dar prioridade ao exercício da atividade política, e não a outra. Isto é um bom exemplo do que não devia acontecer. Por isso eu considero, e já tinha esta tomada de posição consolidada, que terminou o meu ciclo de vida parlamentar ativa. Vou renunciar ao meu cargo, até ao final deste mês deixarei de ser deputado, e como é obvio não serei candidato a deputado nas próximas eleições legislativas. Isto deixa claro também uma certa hipocrisia que tem aí grassado à volta das posições que os militantes tomam a propósito de questões de natureza política, como espero que seja entendida a minha posição.

Ou seja, quer deixar claro que a sua divergência em relação a Rui Rio não acontece porque o senhor está “agarrado ao lugarzinho” de deputado?

Exatamente.

A marcação do Conselho Nacional para o Porto às cinco da tarde de um dia de semana foi a gota de água para decidir anunciar agora que sai do Parlamento?

Todo o enquadramento político em que tem decorrido esta situação levou-me a um processo final desta reflexão que já tinha feito há umas semanas. Toda esta situação faz com que se revele oportuno que tome esta decisão.

“O que para mim é importante é muito menos a rotulagem e muito mais as propostas que são apresentadas como alternativa”

“O que para mim é importante é muito menos a rotulagem e muito mais as propostas que são apresentadas como alternativa”

FERNANDO VELUDO/Lusa

A atual direção do PSD tem explicado a dificuldade de passar a mensagem, e de apresentar uma alternativa, pelo facto de haver tanta instabilidade e ruído interno. Não é uma justificação válida?

Em toda a minha vida, seja profissional ou política, nunca imputei os meus êxitos ou inêxitos a terceiros. Acho sempre que reside em mim a capacidade ou incapacidade de ultrapassar os vários obstáculos. Portanto, a primeira responsabilidade de qualquer pessoa que seja um decisor ou que esteja numa situação de chefia, reside no próprio. Se estamos a viver hoje a situação que estamos a viver é porque essa afirmação de uma alternativa clara e inequívoca ao PS não aconteceu.

Conhece Rui Rio muito bem e há muitos anos. Esperava este desempenho?

Sinceramente, não acho que seja este o momento para uma análise a esse nível. Ainda vamos decidir se vai haver diretas, e acho que seria importante que houvesse essa discussão clarificadora, que fortaleceria o PSD.

Rui Rio e a sua direção têm acusado os críticos de quererem fazer do PSD um partido de direita pura e dura, como o PSD nunca foi. O senhor sempre foi reconhecido como um dos rostos da ala mais social-democrata do partido - será que com as suas críticas quer fazer do PSD o tal partido de direita pura e dura?

Eu não dou grande importância à rotulagem, dou importância ao conteúdo de uma afirmação política. No passado, quando Sá Carneiro fez a primeira Aliança Democrática, era acusado de muita coisa do género, e no entanto foi vencedor, foi reformador, e foi importantíssimo para a democracia portuguesa. Cavaco Silva também foi acusado de muita coisa dessa, e na altura foi importante para a democracia portuguesa acabar com o Bloco Central, para se poderem fazer as reformas que foram depois implementadas. Portanto, o que para mim é importante é muito menos a rotulagem e muito mais as propostas que são apresentadas como alternativa.

Referiu várias vezes a história do PSD, que conhece bem e acompanhou de perto desde cedo, quando muito jovem entrou na JSD, ainda no tempo de Sá Carneiro, como Rui Rio. Sá Carneiro, aliás, tem sido muito invocado nesta crise, e é por isso que lhe pergunto: se estivesse perante o desafio que agora foi feito a Rui Rio, Sá Carneiro teria marcado diretas já?

Acho que Sá Carneiro seria seguramente - e a história demonstra-o - a favor de uma clarificação, de uma discussão interna que fortalecesse o partido numa situação como esta. Ele nunca se escudou em questões de natureza formal, pelo contrário. E foi sempre pelo faro político, pelo sentido de oportunidade e pelo que pudesse ajudar o país. E o melhor para o país hoje é que o PSD seja reconhecido como uma alternativa inequívoca, com propostas claras que o afastem do PS, desta governação e da ação de António Costa.

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