www.publico.ptopiniao@publico.pt - 15 jan. 06:54

O governo dos “comboios-fantasma”

O governo dos “comboios-fantasma”

Numa altura em que tanto nos afadigamos com as fake news, a orgia de anúncios de investimentos futuros, virtuais e eventuais é absolutamente deplorável sob o ponto de vista dos princípios democráticos e da sã comunicação política.

1. Digo-o, sinceramente, muito sinceramente, com surpresa e com espanto. Tinha António Costa por mais hábil, mais sofisticado e mais exigente do que acaba de revelar-se. Tinha-o nessa conta e era nessa conta que o tinha. De resto, depois da fleumática mensagem de Natal, lida com voz maviosa, julguei até que, entre outros, tinha afinado um tom para a maratona eleitoral de 2019, procurando agora exalar a imagem da prudência, do comedimento e da responsabilidade. Mas, na verdade, foi disposição que não resistiu aos festejos do Réveillon e que se esfumou num esgar de olhos.

2. Numa altura em que tanto nos afadigamos com as fake news, a orgia de anúncios de investimentos futuros, virtuais e eventuais é absolutamente deplorável sob o ponto de vista dos princípios democráticos e da sã comunicação política. Trata-se de propaganda – da barata e da ostensiva – no mais clássico dos sentidos e, digo-o com grande preocupação, na pior e mais descarada tradição “socratista”.

É o anúncio inconsequente; o anúncio pelo anúncio; o anúncio em catadupa. Escala-se um projecto, atira-se com dezenas de milhões, traz-se a televisão e sugere-se o paraíso. Antigamente, ainda havia a cerimónia do lançamento da primeira pedra e uma verba simbólica no orçamento de Estado para cativar o lugar. Mas agora nem isso: agora é só voz, só imagem, só anúncio.

Põe-se na net e inscreve-se no mundo. O frenesim propagandístico é de tal sorte que parece tomar os cidadãos, a opinião pública e mesmo os meios de comunicação social por néscios. É também por esta via que se corrói a democracia e a confiança nas instituições. Há aqui presunção e arrogância em doses ciclópicas.

3. Este Governo, que agora nos promete aeroportos, portos, ferrovia, rodovia e metropolitanos sem cessar e até à eternidade não nasceu ontem, tem uma história e um currículo que falam por si.

Este é o Governo que bateu os recordes de desprezo pelo investimento público, sendo capaz de ultrapassar os registos dos tempos em que Portugal, forçado pela bancarrota socialista, teve de executar o programa da troika. Este é o Governo que deixou por executar mais de 80 por cento das obras que estavam previstas no anterior programa estratégico para os transportes e as infra-estruturas. Este é o Governo que, apesar da míngua de recursos e de estarmos em 2019, se limitou a executar 35% dos fundos europeus das perspectivas financeiras 2014-2020. Este é o Governo que, em Bruxelas, se contenta e conforma com uma proposta da Comissão para as próximas perspectivas financeiras em que Portugal perde 10 por cento dos fundos de coesão, enquanto países bem mais ricos (a Espanha, a Itália e, pasme-se, a Finlândia) aumentam a sua dotação. Este é o Governo que não cuida da mais elementar manutenção das infra-estruturas como tão bem se vê num caso tão trágico como o de Borba ou num transe tão grave como o de Tancos. 

Com este historial e com este currículo, há alguém que possa confiar num anúncio, num único anúncio, deste Governo?

4. O problema deste “pacote de investimentos” é, antes do mais, um problema de credibilidade e de plausibilidade. A pergunta que tem inevitavelmente de se fazer é esta: falando em obras públicas deste tipo, alguém se recorda de uma que tenha sido lançada, executada e concluída por este Governo? Ao que pode acrescentar-se: alguém se lembra de uma obra que, vindo do governo anterior, ao menos tenha sido concluída por este governo? Se se trata apenas de planos, tem então de questionar-se: porque são apresentados no início de um ano eleitoral e não foram apresentados antes?

A pergunta, apesar de ele ser bastante diferente dos restantes investimentos, é especialmente pertinente para o aeroporto de Lisboa: porque tivemos de esperar até aqui, quando a decisão estava tomada pelo governo anterior desde 2015? E que pensarão os portugueses quando ouvem falar em empreendimentos vultuosos, que hão-de ver a luz, daqui a dez, a quinze ou a vinte anos? Um Governo que não tem obra, que apresenta listas e listas de projectos, que ostenta centenas e dezenas de milhões, que os prefigura para prazos muito longos e os anuncia nas vésperas de três actos eleitorais, que juízo espera dos portugueses?

5. Esta “manobra” do Governo é, com efeito, surpreendente. Surpreendente porque parece saída do guião socialista de 2005-20011, que está hoje totalmente desacreditado aos olhos dos portugueses. Percebem-se os tiques do ministro responsável, que ocupou pastas governativas continuamente durante esse tempo. Mas não se compreende a atitude do Primeiro-Ministro que, pese embora por lá tenha andado, parecia ter compreendido que os portugueses, depois da experiência traumática da bancarrota socialista, já não se enganam nem deixam enganar desta maneira.

Esta foi sem dúvida a maior manobra de propaganda do Governo, mas creio – e fico satisfeito com isso – que não terá qualquer resultado. Com tantas carruagens e estações de metro, com tanto quilómetro de estrada, com muito mais de ferrovia, com portos e aeroportos a cintilar, o plano de investimentos do Governo Costa não passa de um comboio fantasma. Tão fantasma que já não convence ninguém. Ou, como se diria em linguagem mais prosaica, quando a esmola é grande, o pobre desconfia.

Não. Fim das propinas. Uma medida socialmente injusta, que beneficia as classes mais abonadas e que prejudica a autonomia universitária. E que fica como factura para os futuros governos.
Não. Theresa May. O Parlamento britânico vota o acordo sobre o Brexit. May, porém, já leva duas derrotas: uma que impede o cenário de saída sem acordo e outra que impõe um plano B em 3 dias.

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