observador.ptobservador.pt - 15 dez. 00:02

Deputado da UNITA “farto dos portugueses” leva partido a demarcar-se das declarações

Deputado da UNITA “farto dos portugueses” leva partido a demarcar-se das declarações

O maior partido da oposição angolana UNITA demarcou-se das declarações por um deputado da sua bancada parlamentar. David Mendes, eleito pelo partido, afirmou "estar farto dos portugueses".

A direção da UNITA, o maior partido da oposição angolana, demarcou-se esta sexta-feira das declarações do deputado David Mendes, eleito pelo partido, que afirmou, na Assembleia Nacional, estar “farto dos portugueses em Angola”, classificando a afirmação como um “deslize”.

Acompanhámo-las [as declarações de David Mendes] e nós próprios ficamos muito surpreendidos com esta saída, que, naturalmente, não nos pode vincular, até porque não temos essa posição sobre Portugal ou sobre outra qualquer presença estrangeira em Angola. Creio que acabou por ser um deslize, vamos considerá-lo a este nível, que lamentamos profundamente”, disse esta sexta-feira à agência Lusa o líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior.

Na quarta-feira, durante o debate que antecedeu a aprovação sobre a Lei de Repatriamento de Capitais, o advogado e fundador da associação Mãos Livres, David Mendes, deputado independente eleito nas listas da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), questionou o plenário sobre as intenções do Governo com as privatizações das empresas estatais angolanas, culminando com um ataque duro a Portugal.

Ao longo de uma intervenção de cerca de cinco minutos, David Mendes defendeu que o processo de privatização em curso em Angola não pode permitir que as empresas públicas sejam entregues a estrangeiros, sobretudo aos portugueses, “que querem tomar a economia” angolana.

Queremos entregar o país aos estrangeiros quando temos consciência que não temos condições económicas? Qual é a pressa? Já cometemos muitos erros no passado, cometemos muitos erros, e não vamos cometer mais um. Isto de entregarmos o país aos estrangeiros tem de parar. Os estrangeiros não vêm aqui de graça. Vêm retirar o que é nosso”, disse então David Mendes.

“Estamos hoje aqui a lutar com o repatriamento de capitais, muitos estão a embandeirar que o dinheiro vai voltar. Eu não acredito que Portugal vai devolver o dinheiro que está lá. E a França e a Espanha também não. Gostaríamos de pedir aqui a esta casa [parlamento] que pensássemos quem são os que vão comprar essas empresas. Queremos privatizar a Sonangol, para quem? Quem vai comprar? Eu não sou contra os portugueses, mas estou farto dos portugueses em Angola”, disse o deputado.

David Mendes continuou, depois, a pôr em causa a presença de “estrangeiros” em Angola, lembrando que, no país, residem mais de 170 mil cidadãos portugueses.

“Quem serão os beneficiários desta lei? Em primeiro lugar serão os estrangeiros. Não nos esqueçamos de que mais de 170 mil portugueses estão em Angola. A fazer o quê? Querem tomar a nossa economia”, afirmou.

Outros beneficiários serão os angolanos que têm dinheiro para comprar as empresas. Porém, como estão a ser perseguidos, as abelhas vão tomar conta do negócio, porque o mel todos o querem. Que país é que queremos? Para meia dúzia de indivíduos? Para meia dúzia de estrangeiros? Vamos continuar a ser os escravos na nossa própria terra? Que alternativa? Precisamos de refletir, de refletir para os angolanos”, acrescentou.

Dirigindo-se de seguida a Fernando Piedade Dias dos Santos, presidente do parlamento angolano, David Mendes questionou sobre o que valeu a guerra anticolonial, que culminou com a independência, em 1975.

“O que valeram os 14 anos de guerra? Valeu para quê? Para devolvermos tudo de novo a Portugal? Foi para isso que lutamos? Foi para isso que muitos de nós perderam sangue, que muitos de nós foram para a cadeia? Para perdermos tudo para quem nos esteve a colonizar? É essa a nossa tendência? Devemos parar e refletir”, disse.

“Qual é o angolano que tem dinheiro? Os empresários estão falidos. Se nos viessem aqui dizer que a dívida pública interna deveria ser convertida em ações das empresas, se o Estado assumisse perante os empresários que, com este dinheiro que lhes deve, iria convertê-lo em ações nas empresas, estaríamos de acordo. Agora, oferecer as nossas empresas aos estrangeiros não estou de acordo”, frisou.

Para David Mendes, os antigos combatentes, veteranos de guerra e os desmobilizados têm uma pensão que fica aquém do que merecem, pelo que defendeu a solução de as ações da Sonangol e de outras empresas a privatizar convertessem também a favor deles.

Temos de pensar o país. Muitos, muitos companheiros nossos, sofreram, deram toda a sua juventude na luta, e hoje estão na miséria. Quantas vezes olhamos para vários nossos antigos companheiros de luta que estão na miséria. E hoje, com a possibilidade de privatizarmos as empresas, não estamos a olhar para esses nossos companheiros. O senhor presidente [da Assembleia Nacional] sabe do que estou a falar, pois foi um combatente, dirigiu tropas, dirigiu homens, e eu fui um deles”, concluiu.

Esta sexta-feira, nas declarações à Lusa, o líder parlamentar da UNITA disse não estar de acordo com o posicionamento de David Mendes, que será “seguramente pessoal, fruto de um momento não refletido”.

“David Mendes não tem esta posição anti-portuguesa como permanente. Nunca a tinha ouvido. Devo dizer que foi uma surpresa ouvir esta declaração. Não sei a razão. Naturalmente que vamos conversar com ele. É preciso que, futuramente, se cuide melhor este tipo de frases, evitar ferir sensibilidades, porque, de facto, quando se vive em excessos exacerbados de reações contra determinados povos temos de ser exemplo de tolerância e de abertura”, justificou-se.

“Temos uma comunidade angolana muito vasta em Portugal e não devemos ser nós a tomar aqui iniciativas em Portugal e noutros países. Tivemos uma longa guerra, onde os angolanos tiveram de ir buscar hospitalidade em muitos países, vizinhos e longínquos, pelo que o exemplo de tolerância e de respeito deve ser algo que nós próprios devemos assumir em primeiro lugar. Portanto, lamentamos”, terminou.

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