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O fenómeno regional de sobreavaliação das notas

O fenómeno regional de sobreavaliação das notas

Serão os alunos do Norte do país melhores do que no Sul? A ser verdade, os exames nacionais reflectiriam essas diferenças. E não parece haver forte evidência de capacidades distintas dos alunos nos dois maiores distritos do país.

O fenómeno da sobreavaliação das classificações internas, tem como possível efeito promover uma entrada facilitada na universidade. Os exames de ingresso à universidade contam entre 35% a 50% da classificação de entrada (percentagem a definir pelas instituições de ensino superior), sendo o restante peso distribuído entre as classificações finais do secundário e eventuais pré-requisitos de seriação (as classificações finais no secundário também incluem notas de exames nacionais — pesando 30% — nas disciplinas sujeitas aos mesmos). Assim, dois alunos com 14 no exame de ingresso X, mas classificações finais diversas — e.g. o aluno A tem 18 e o B tem 15 — terão notas de acesso (considerando um peso de 50%) de 16 e 14,5, respectivamente. Num contexto em que um aluno fica de fora de um curso por décimas, uma diferença de 1,5 pontos é claramente determinante. Mais do que isso, essas diferenças podem implicar tremendas injustiças no acesso ao ensino superior que é importante averiguar.

O Ministério da Educação (ME) está consciente desta realidade e apresenta no seu site do Infoescolas um indicador relativo à sobreavaliação das notas internas. Este indicador não é uma mera comparação entre notas de exame e notas internas, mas faz essa comparação tendo em conta alunos que em exame no início do ciclo de estudos apresentam a mesma classificação (e portanto serão alunos com capacidades comparáveis). Analisando este indicador do ME há um fenómeno regional que parece ter passado despercebido: a sobreavaliação de notas é um fenómeno prevalecente no Norte do país, já que no Sul acontece o fenómeno oposto – as escolas tendem a avaliar os seus alunos por baixo. Para comprovar o facto atente-se na tabela seguinte que mostra por distrito as médias do indicador de sobreavaliação (que vai de -2 a 2, onde o valor negativo significa claro desalinhamento para baixo, e o valor positivo significa claro desalinhamento para cima, ou sobreavaliação).

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Viana do Castelo e Porto destacam-se claramente como os distritos com maior desalinhamento positivo das notas quer olhemos para o último valor no Infoescolas (2016-17), quer olhemos para as médias dos últimos três anos ou dos últimos cinco anos. Ao contrário, Lisboa é sistematicamente o distrito com maior desalinhamento negativo. Sendo Porto e Lisboa os distritos com maior número de escolas no país (vide última coluna da tabela) e os distritos que colocam mais alunos nas universidades, estas discrepâncias têm várias consequências. Uma delas é a inflação das notas de acesso ao ensino superior nas universidades do Norte do país (porque o critério geográfico é ainda um dos mais importantes na escolha da universidade) que tenderão a ter médias mais altas. Se acontecer, esta inflação não significará que as universidades são melhores no Norte mas apenas que recebem alunos com médias mais altas.

Olhando para alguns cursos do ensino superior que em 2018 encheram as suas vagas na primeira fase e comparando as médias de entrada no Porto e em Lisboa temos o seguinte:

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Apesar de esta não ser uma análise rigorosa, não deixa de ser curioso que alguns dos cursos mais procurados no país (e que enchem todas as vagas na primeira fase) apresentam as médias de entrada mais altas no Porto. Claramente, a Universidade do Porto é sobejamente conhecida pela sua qualidade, pelo que não é isso que está em causa. O que está em causa é perceber se estas médias mais altas são reflexo de maior procura (devido à maior qualidade oferecida) e/ou menor oferta (o menor número de vagas faz aumentar notas de acesso), ou, pelo contrário, são reflexo de notas de entrada mais altas em virtude de inflação de notas que acontecem essencialmente no Norte do país. No caso do curso de Medicina, é claro que nas duas universidades do Porto a oferta tem sido menor e isso pode ser um factor adicional que puxe as notas de acesso para cima, já nos outros cursos o mesmo racional não parece aplicar-se.

Serão então os alunos do Norte do país melhores do que no Sul? A ser verdade, os exames nacionais reflectiriam essas diferenças. Como podemos ver na tabela seguinte, há alguma prevalência para as melhores notas em exame acontecerem no Norte do país (na tabela só analisamos os exames de Matemática A e de Português em 2017).

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Os distritos estão na tabela ordenados por ordem decrescente das notas médias de Matemática A. O primeiro distrito do Sul do país que aparece na lista é Santarém, com uma média de 9,82 a Matemática; logo a seguir aparece o Porto, com uma média de 9,81, e Lisboa, mais em baixo, com uma média de 9,72 (Porto e Lisboa são responsáveis por cerca de 18% e 23%, respectivamente, dos exames nacionais de Português e Matemática A). No Português, as médias em exame nacional em Lisboa também são mais baixas – 10,02 contra 10,44 no Porto. Estas diferenças são pequenas e apenas no caso de Português as diferenças são estatisticamente significativas (isto é, não são devidas ao facto de termos amostras de alunos diferentes mas revelam evidência de que no Porto os alunos são melhores a Português do que em Lisboa). Assim, não parece haver forte evidência de capacidades distintas dos alunos nos dois maiores distritos do país.

A análise em cima foi feita a um nível muito agregado e, portanto, esconde toda a diversidade das escolas em cada distrito. Esta diversidade pode servir para explicar algumas das diferenças encontradas. No distrito de Lisboa, na base de dados ENES dos exames nacionais de 2017 havia 111 escolas secundárias. Destas, 51% foram responsáveis por cerca de 80% dos exames (considerando os exames às oito disciplinas mais concorridas) do distrito. A escola com mais exames é a escola secundária Santa Maria de Sintra, com 1275 exames (representando 2,85% do total de exames do distrito), mais escolas públicas se seguem em termos de números de exames similares e a primeira escola privada são os Salesianos de Lisboa, com 570 provas. No distrito do Porto, o panorama é diferente. Em 2017 houve 104 escolas, das quais 48% são responsáveis por cerca de 80% dos exames totais do distrito (menos escolas são responsáveis pela mesma percentagem de exames, o que significa maior concentração de alunos em certas escolas). A escola com mais exames feitos é privada (Externato Ribadouro), com 1762 exames (mais exames do que a maior escola de Lisboa), que representam 4,74% do total de exames do distrito. Ver tabela seguinte com amostra de escolas com maior número de provas feitas – contando apenas os oito exames mais concorridos (8+) em 2017.

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Na verdade, o Porto é também o distrito do país com maior percentagem de exames feitos em instituições privadas (21,11% em 2017). Abaixo do Porto encontramos Leiria, com 18,43% das provas feitas em instituições privadas, e depois Braga, com 18,19%. Em Lisboa, a percentagem de exames feitos por alunos de escolas privadas é de 16,91%.

Será que a prevalência de alunos no Norte do país a frequentarem escolas privadas está na génese de algumas das diferenças observadas? Será que o facto de uma escola privada dominar o panorama de exames e de colocações na Universidade no Porto afecta os resultados? Há mais questões por responder nesta reflexão do que questões respondidas... Mais investigação é claramente necessária nesta área, e mais atenção por parte do ministério que pode e deve regular e limitar o fenómeno de inflação garantindo que o "mercado" das escolas funciona de forma concorrencial e garante um justo acesso ao ensino superior.

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