expresso.sapo.ptexpresso.sapo.pt - 18 nov. 14:00

“Políticos escolhem quem vota neles”

“Políticos escolhem quem vota neles”

Manipulação dos círculos eleitorais desvirtua resultados e elimina competição eleitoral nalguns estados

“Nos Estados Unidos permitimos aos políticos escolher quem vota neles, quando deveria ser ao contrário”, diz ao Expresso o investigador David Daley, que se dedica ao estudo do complexo fenómeno político conhecido por gerrymandering. O termo vem do nome de um antigo governador do Massachusetts, Elbridge Gerry, que em 1812 aprovou um mapa eleitoral que parecia uma salamandra: círculos com formas pouco naturais e sem respeito por divisões comunitárias ou geográficas.

Praticado desde então, o gerrymandering foi dos fatores que travaram a onda democrata que alguns previam nas eleições de 6 de novembro. O partido maioritário na assembleia legislativa de cada Estado redesenha o mapa eleitoral, visando concentrar a maioria dos potenciais eleitores da oposição em poucos círculos, para que não elejam deputados suficientes para obterem maioria no Estado. Há casos em que os democratas “empacotaram” os republicanos todos num círculo, mas o gerrymandering republicano é muito mais agressivo. Em 2016 a agência Associated Press analisou a votação em todos os 435 lugares da Câmara dos Representantes e mais de 4500 assentos das assembleias estaduais. Concluiu que há quatro vezes mais estados “enviesados” a favor dos republicanos do que dos democratas.

“Pegamos nos eleitores conotados com um partido e desenhamos uma linha em seu redor, cingindo-os a um ou poucos círculos. Aí a oposição vence por margens enormes, mas diluímos os seus restantes votos pela área maior que conseguirmos, pelo que perdem influência”, explica Daley, autor do livro “Ratf**ked”, palavrão utilizado desde os tempos de Richard Nixon, nos anos 70, como sinónimo de sabotagem política.

Em 2010, a meio do mandato de Barack Obama, os republicanos varreram os democratas da Câmara dos Representantes, da maioria das legislaturas estaduais e dos gabinetes de governadores. Estavam criadas condições para a operação “Red Map”, um esforço sem precedentes de manipulação dos círculos para fins políticos.

Alguns adquiriram formas bizarras, como o 7º da Pensilvânia. Até um grupo de cidadãos ter levado o caso ao Supremo Tribunal, forçando uma reformulação, os seus contornos assemelhavam-se a um itinerário no Google Maps, feito por um maratonista perdido na baixa de uma cidade: cheio de curvas e reentrâncias, ligava eleitores que vivem a dezenas de quilómetros de distância, com problemas muito diferentes, sob um único deputado que não podia, mesmo querendo, representar todos.

O politólogo John Kennedy, da Universidade de West Chester, foi testemunha do grupo de democratas que contestaram com êxito esse mapa. “Há comunidades cuja influência foi dissolvida, que não são representadas no Congresso por causa destes mapas. Em três eleições na Pensilvânia, nem um assento mudou de cor. É muito estranho”, diz ao Expresso. Ainda assim, exprime otimismo moderado. “Fala-se muito mais do problema e, em 2020, talvez os democratas consigam a outra metade, ou pelo menos mais um terço, dos votos que não tiveram desta vez. Há um movimento lento mas constante e empenhado contra as linhas republicanas, como uma picareta que vai partindo um muro aos poucos”.

Megan Gall, cientista social do Comité de Advogados para os Direitos Cívicos, estuda o assunto e o seu impacto nas minorias. “A técnica de ‘empacotar’ comunidades isola a sua força eleitoral e faz com que noutros locais nunca tenham voz, e isto é discriminação. A mais comum é a racial.”

COMPETIÇÃO DESVIRTUADA

“Há pouquíssimos círculos que não consigamos prever. Cerca de 380 ou 390 [dos 435] são previsíveis”, afirma Daley, que considera o gerrymandering “um cancro para a democracia”. Thomas Wolf, um dos maiores estudiosos desta prática no Brennan Center for Democracy, diz que ela atenta contra os direitos dos cidadãos em três frentes: “Primeiro, os políticos lutam de forma muito feia para chegar a uma posição em que possam modificar estas linhas em vez de se esforçaram por melhorar a vida das pessoas, que é o seu papel; segundo, criam legislaturas que não são responsabilizadas pelos seus erros, porque a concentração de votos num partido ou noutro é tal que sabem que é quase impossível perderem o lugar; terceiro, ficamos com legislaturas polarizadas, à esquerda ou à direita, mesmo que os estudos sociológicos provem existir grande diversidade de opiniões naquele Estado”.

Daley ilustra o sistema com um episódio do seu livro: “Falei com um democrata na Pensilvânia que, depois do redesenho dos mapas, me disse que teria perdido até contra um saleiro”. Como Kennedy, considera que o Partido Democrata conseguiu tornar a “parede” republicana mais porosa mas prevê que, até 2031, a influência conservadora nas legislaturas locais impeça a mudança. “A ideia é não serem os políticos a decidir tudo, chamando-se outras pessoas a intervir, talvez numa espécie de comissões multidisciplinares, porque seria igualmente grave os democratas fazerem o mesmo”.

TENDÊNCIA ATUAL DO TOTAL DOS DISTRITOS ALTERNATIVA DE ACORDO COM O ELEITORADO ILLINOIS 14º

Uma das características mais visíveis do ‘gerrymandering’ é a manipulação do formato dos distritos eleitorais. Cada distrito representa um assento na Câmara dos Representantes

ALABAMA 7º

Este distrito junta mais do que uma zona urbana o que reduz a um único assento a representação democrata do Alabama, com 7 assentos na Câmara dos Representantes

TEXAS 15º

A imagem da esquerda mostra este distrito, de maioria hispânica, de acordo com uma divisão que previlegiasse a geografia e as fronteiras naturais do Texas. Neste cenário, a probabilidade do distrito eleger um membro de uma minoria étnica aumenta 6 pontos percentuais

BATOTA É PIOR NOS ESTADOS RENHIDOS

O perito David Daley considera que o gerrymandering é mais grave em estados renhidos, como Michigan, Florida ou Virgínia, onde o eleitorado mais oscila entre o Partido Republicano e o Partido Democrata. Nas eleições de 6 de novembro, este último voltou a ser prejudicado. “No Wisconsin, os democratas têm o governador e vários representantes nas instituições estaduais eleitas, mas não viraram um único assento no Congresso”, exemplifica Daley. “Os democratas conseguiram mais 200 mil votos do que os republicanos para a assembleia estadual e, mesmo assim, os republicanos têm 63 lugares e os democratas 35.” Na Carolina do Norte os democratas conseguiram 48% dos votos para a Câmara dos Representantes, o melhor resultado em mais de uma década, mas apenas conquistaram 3 dos 13 assentos em liça. No Ohio a situação repete-se pela mesma razão: com 47% dos votos, os democratas só obtiveram 4 dos 12 lugares que representam esse Estado na Câmara baixa do Congresso. “Houve uma onda azul, mas não galgou o dique republicano”, conclui Daley.

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