www.jn.ptjn.pt - 18 nov. 17:03

Rostos da História: Georges Duby

Rostos da História: Georges Duby

Medievalista de elevado gabarito, o francês Georges Duby (1919-1996) foi nome cimeiro da terceira geração da chamada Escola dos Annales. Como poucos, associou a grandeza científica a uma invulgar capacidade de comunicação e ao brilhantismo na escrita, que lhe valeu um elevado e invulgar grau de popularidade.

Uma questão recorrente, quando se aborda a historiografia e o papel dos historiadores no presente, tem a ver com os destinatários do discurso histórico, e nota-se que cresce, entre os envolvidos, a ideia de que o estudo do passado perde sentido quando os seus resultados não são, de algum modo, postos ao alcance do mais abrangente público que for possível. Não apenas a divulgação pela divulgação, mas a clareza do discurso, mesmo quando o discurso é dirigido a leitores especializados, são marcas essenciais do caminho a seguir. E o francês Georges Duby (1919-1996) deu extraordinário contributo para que a evolução vá nesse sentido: notável e inovador medievalista, possuía um domínio ímpar da linguagem, tornando a História percetível, cativante, apaixonante.
Mas, se essa mestria na escrita fez de Duby um autor muito popular junto do público francês, tanto para mais que não se coibiu de escrever divulgação pura e dura ("O Ano Mil" é um clássico incontornável) ou de associar o nome a obras coletivas de sucesso global, como a "História da Vida Privada" (que co-dirigiu com Philippe Ariès) ou a "História das Mulheres no Ocidente" (direção partilhada com Michelle Perrot), a importância deste grande medievalista está, sobretudo, na inovação que trouxe à historiografia. Na originalidade, assegurada pela perceção de que a História tem de estar permanente atenta a tudo o que de novo seja produzido pelas ciências sociais e humanas. Duby contribuiu para desenvolver uma nova forma de ver a sociedade medieval, logo a partir do seu Doutoramento de Estado, sobre a sociedade na região de Mâcon (Borgonha) nos séculos XI e XII, estudo baseado em documentação da outrora poderosíssima abadia de Cluny, bem como das dioceses de Mâcon e Dijon, que permitiu estabelecer uma profunda viragem nas estruturas da sociedade medieval, com a emergência da ordem feudal. Esse estudo aprofundado de uma região particular incorporava tendências lançadas pelos geógrafos franceses, que assim contribuíam para dar à historiografia um rumo inédito e de maior aproximação às realidades do tempo estudado. Ainda hoje esse trabalho é uma referência em matéria de estudos regionais.
Duby notabilizou-se como professor do Collège de France, entre 1970 e 1991, mas foi como professor liceal que iniciou a sua carreira docente, ingressando na vida universitária como assistente na Universidade de Lyon, logo após a libertação de França da ocupação nazi. O doutoramento, defendido na Sorbonne, veio em 1952, numa altura em que já ocupava a cátedra de História medieval na Universidade de Aix-en-Provence.
A obra maior deste autor - "Economia Rural e Vida no Campo no Ocidente Medieval" -, dada à estampa em 1962, acrescentou ao passado de estudos regionais a grande abrangência, confirmando-o como um dos maiores medievalistas da sua geração e, na verdade, de todos os tempos. Duby é, podemos dizê-lo, o mais representativo membro da terceira geração da Escola dos Annales (a seguir à dos fundadores, Lucien Fèbvre e Marc Bloch, e à de Fernand Braudel), produzindo trabalhos que se transformaram em clássicos incontornáveis, como "As Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo", "Guerreiros e Camponeses" ou "Senhores e Camponeses - Homens e Estruturas na Idade Média". Entre as obras pensadas para o grande público, além do já citado "O Ano Mil", podemos apontar "Le Dimanche de Bouvines" ou "O Tempo das Catedrais", este já no capítulo da História da Arte, em que também publicou alguns trabalhos.
Duby era, já o dissemos, um virtuoso da escrita e um profundo conhecedor da língua francesa, mas não foi apenas por isso que conheceu enorme êxito junto de um vasto público de não historiadores (o grande público, seja isso o que for). A afirmação como historiador coincidiu com a solidificação da televisão como meio de comunicação de massas, e as suas aparições eram frequentes, não apenas em programas de divulgação baseados no trabalho de investigação que ia desenvolvendo, mas também pela frequente participação em debates, nos quais fazia valer os seus dotes de comunicador, alicerçados numa inabalável solidez científica. Foi inclusivamente presidente da estação de televisão Arte, entre a fundação desta, em 1986, e 1989.
Membro de uma quantidade de academias cuja enumeração seria excessiva, viu o peito coberto de condecorações da República Francesa e conquistou os favores dos seus leitores e espectadores, sobretudo em França, claro, mas também um pouco por todo o mundo, onde se disponibilizam traduções dos seus trabalhos. Conseguiu conciliar a popularidade com a condição de grande historiador, coisa rara. E quando falamos em grande historiador, não queremos dizer outra coisa. Será sempre um dos maiores.

NewsItem [
pubDate=2018-11-18 18:03:00.0
, url=https://www.jn.pt/artes/canal/historia/interior/rostos-da-historia-georges-duby-10172586.html
, host=www.jn.pt
, wordCount=739
, contentCount=1
, socialActionCount=2
, slug=2018_11_18_2078540044_rostos-da-historia-georges-duby
, topics=[história, artes]
, sections=[vida]
, score=0.000000]