www.publico.ptpublico@publico.pt - 18 nov. 07:25

Perigosos tempos menores

Perigosos tempos menores

Alastra o terreno propício aos vendedores de ilusões, em que a menoridade e a mediocridade acicatam a agressividade e o autoritarismo. São tempos perigosos para os europeus.

Olhemos para a actualidade portuguesa e o que é que se nos oferece? Uma crónica anedótica de menoridades aflitivas e deprimentes, reflexo de um país perigosamente fechado na sua concha e correndo o risco de ficar asfixiado dentro dela. É a polémica “civilizacional” ou “cultural” sobre as touradas que divide o PS, é o caricato mas sintomático caso Silvino que espelha a desorientação total do PSD de Rui Rio, são as lutas pelo poder dentro da “geringonça” através dos imparáveis episódios de crispação social e sindical antes da aprovação final do Orçamento do Estado (para o qual já foram apresentadas cerca de mil — mil! — propostas de alteração), sem esquecer o PAN e o seu suposto braço armado de defesa dos animais, a interminável e surreal novela de Tancos ou ainda o tão avidamente mediatizado folhetim Bruno de Carvalho (e os outros que, no Benfica e no FC Porto, mostram a nossa selva doméstica do futebol e são igualmente reveladores do estado dos nossos costumes).

Mas se o quadro é este dentro de casa, que é que observamos fora dela, neste mundo sem fronteiras onde vivemos? Entre múltiplos sinais de vertigem autoritária e populista, constatamos a tentação ilusória, perigosa e até suicidária de repor fronteiras onde elas deixaram de fazer sentido ou servem sobretudo para sustentar a ficção dos que vivem centrados sobre o seu umbigo e se encontram reféns dos complexos de sobranceria imperial (ou insular). Não por acaso, a vitória de Trump aparece associada ao triunfo do “Brexit” que, como temos verificado nos últimos dias, se encontra num verdadeiro beco sem saída.

Como é que se chegou até aqui, ou seja, a um ponto em que não é possível vislumbrar nenhum cenário alternativo verdadeiramente satisfatório à permanência do Reino Unido na União Europeia? A explicação pode ser encontrada num ensaio já clássico — e tantas vezes justamente referido — sobre os comportamentos das elites europeias que conduziram à catástrofe da primeira Grande Guerra, cujo armistício ocorreu há precisamente um século.

Tal como nesse livro de Christopher Clark, Os Sonâmbulos, o referendo sobre o “Brexit” foi um típico acto de sonambulismo. Nem quem o promoveu por razões de baixo oportunismo político (o conservador David Cameron, confiando em que o eleitorado votaria contra), nem quem o sufragou, embora por uma escassa maioria, sem pesar as consequências da sua escolha (comprovando, aliás, que o povo não tem sempre razão), se deram conta de que tinham aberto uma caixa de Pandora.

Mas a miragem nefasta de que o Reino Unido podia regressar aos gloriosos tempos do Império e prescindir dos seus vínculos com a Europa é alimentada ainda por um grupo de demagogos irresponsáveis — cuja figura mais folclórica é Boris Johnson, esse sósia de Trump —, que persistem em não explicar como resolvem a quadratura do círculo. Aliás, é sintomático que, na sequência imediata do referendo, Johnson se tenha retirado do palco por não querer assumir as responsabilidades políticas que decorreriam do “Brexit”. Uma cena que se repete hoje, quando vemos que o mesmo ministro que negociou o “Brexit” com Bruxelas, Dominic Raab, foi um dos que abandonaram em protesto o Governo May, lavando também as mãos de qualquer responsabilidade.

O caso “Brexit” é, de facto, um sinal dos tempos que ultrapassa as fronteiras britânicas. Vivemos tempos mesquinhos em que o destino da Europa se vê cada vez mais condicionado por gente sem visão ou oportunistas e demagogos populistas. O eixo franco-alemão sofre com a estatura diminuída de Merkel — que já anunciou a sua saída de cena — e de Macron em queda acentuada de popularidade — a que não é estranho o preço de uma postura imatura e arrogante.

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