expresso.sapo.ptexpresso.sapo.pt - 18 nov. 19:00

Tiernan Brady: “Os católicos são os que mais apoiam a igualdade para a comunidade LGBTI”

Tiernan Brady: “Os católicos são os que mais apoiam a igualdade para a comunidade LGBTI”

Depois das campanhas a defender o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo na Irlanda e na Austrália, o ativista irlandês Tiernan Brady tenta agora que a Igreja reconheça direitos à comunidade LGBTI. Para isso, dirigiu uma campanha com o objetivo de sensibilizar os jovens que estiveram no Sínodo dos Bispos que, em outubro, decorreu em Roma

FOTO MICHAEL LOCCISANO/GETTY IMAGES

Como nasceu a ideia de fazer esta campanha?
Como todas, não surgiu apenas de mim, veio de um conjunto de pessoas. Eu fiquei na Austrália depois do referendo pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo e, um dia, houve um jovem que veio falar comigo sobre os danos, a mágoa que a comunidade LGBTI sofria. E começámos a falar de formas que poderiam mudar isso. E como o Sínodo era importante, porque é um mês em que a Igreja, os bispos, vão estar a ouvir os mais novos. É uma oportunidade. É uma questão de calendário, porque as pessoas têm uma hipótese para mudar e terão de viver com as decisões que serão tomadas agora durante 20/30 anos. Foi isso que nos deu o clique para começar a campanha.

E como foi feita esta campanha?
O que tentámos fazer foi juntar a maior parte das pessoas que queriam contar as suas histórias e fazê-las chegar aos delegados que estiveram no Sínodo [que decorreu em Roma de 3 a 28/10]. É um momento único numa geração para os jovens. As decisões que tomaram vão influenciar as pessoas LGBTI e não-LGBTI, católicos e não-católicos. Foi um momento importante, mas também muito semelhante a um Parlamento e, então, decidimos tratá-lo dessa forma. O que fizemos foi dizer às pessoas para falarem com os seus delegados. Para isso, criámos um siteem várias línguas – o ‘equal future’ — para que as pessoas digam de que país vêm e contem a sua história.

É preciso coragem para contar uma história pessoal.
A história da conquista dos direitos das pessoas LGBTI tem mudado graças à coragem de pessoas anónimas. Pessoas, em variados sítios da sociedade, que se levantam e reclamam. E assim mudam corações e mentes. Nós fazemos grandes campanhas sobre a descriminalização do aborto e a legalização do casamento gay, mas onde as mentalidades mudam mesmo é na comunidade, no seu espaço íntimo. Isso acontece quando as pessoas se levantam e contam a sua história. Acho que eles é que são os heróis destas campanhas.

Não tem receio de que seja visto como uma campanha contra a Igreja?
O importante é mostrar, precisamente, o contrário, que não é uma campanha anti-Igreja. Este não é um momento gay versus Deus, em que as pessoas têm de escolher um lado. Este é um momento em que tentamos falar com as pessoas que vão tomar as decisões e, respeitosamente, tentamos envolvê-las. Porque queremos que nos oiçam.

É uma campanha inclusiva.
É importante ditar esse tom inclusivo, sim. Até o Papa disse que queria ouvir as pessoas e estamos a levar a palavra dele a sério. E a pedir às pessoas que contem as suas histórias.

Acredita que o Papa pode fazer a diferença?
Espero que sim. Ele tem sido um líder fantástico em tantos assuntos, como no ambiente, na pobreza, na exclusão, no isolamento. Não há dúvidas de que as pessoas LGBTI se sentem magoadas e marginalizadas, postas de parte por causa das coisas que são ditas pela Igreja. Na reunião de famílias, o Papa disse que quando se tinha uma pessoa LGBTI na família, então tínhamos de ser respeitosos e fazer tudo para não os magoarmos. Isso significa que ele considera que há dano e, uma vez que se considera isso, a questão é o que fazer a seguir? De certeza que ele não quer que esse dano continue. Gostávamos muito que ele tivesse a postura que teve com o ambiente ou com a exclusão social com as pessoas LGBTI, em especial com os jovens.

Mas acha mesmo possível que a Igreja mude a sua postura com esta campanha?
Acho sempre que tudo é possível. É uma questão de quando. Neste momento, o desafio para a mais alta hierarquia da Igreja é que cada vez mais católicos estão a pedir esta mudança. As pessoas católicas são as religiosas mais prováveis para apoiar a igualdade para a comunidade LGBTI. O desafio é que as chefias da Igreja ainda não chegaram à sua base. A hierarquia ainda não respondeu a essa mudança. A cada dia, mais membros da Igreja fazem esta viagem de se tornarem apoiantes da causa LGBTI. O desafio é até quando queremos ignorar as pessoas da própria Igreja, da nossa própria comunidade. É inevitável que a Igreja lá chegue. O que temos de fazer é criar uma consciência social. Não sabemos qual é a campanha que vai empurrar a porta, mas uma irá. E é importante que em momentos desses as nossas vozes sejam ouvidas.

As redes sociais são fundamentais nessa criação de consciência?
Acho que podem ser inspiradoras e aterradoras. Acho que o desafio é que não se tornem um sítio onde as pessoas estão muito divididas e zangadas. Pois isso é terrível inclusive para as pessoas que já estão marginalizadas. Mas também é um lugar onde se pode marcar um tom, uma postura. E inspirar as pessoas a contar a sua própria história.

Como é que isso se faz sem entrar em clima de guerra?
Pode fazer-se inspirando as pessoas e dizendo-lhes que elas não estão sozinhas. Há milhões de pessoas LGBTI no mundo e, como em todas as coisas, o importante em social media é a forma como as utilizamos. Pode ser um espaço onde criamos grande dano e grande divisão ou podemos criar liderança e juntar as pessoas. E dar-lhes esperança e conforto. Isso pode ser um desafio porque o mundo, ou pelo menos o mundo das redes sociais, parece que está a ficar zangado. Temos de ficar acima disso, esta campanha é uma campanha de respeito. Para isso temos de ser respeitosos, é a melhor resposta nas redes sociais.

Mas qual é a chave para a mudança social?
Apelar à humanidade e à decência das pessoas. Quando falamos em abstrato, sobre Direitos Humanos e Direitos Civis, o que nos esquecemos de mencionar é que é das pessoas que estamos a falar. Acho que existe decência e humanidade em todas as pessoas, mas temos de lhes permitir ver isso. É importante também nunca perder de vista que a boa mudança social é sobre harmonia social, aproximar as pessoas, não é dividi-las e tentar trazê-las para o nosso lado, fazê-las escolher. Às vezes, as campanhas ficam muito polarizadas e cheias de ódio. Mas esta campanha centrou-se na forma como conquistámos as pessoas e não como as vencemos. É por isso que estamos tão comprometidos em deixar ver que se trata de pessoas reais. Isto não é um lado a tentar ganhar ao outro.

Quais são os maiores desafios desta campanha?
As instituições mudam lentamente. Então a questão é como começamos esse processo de mudança. Muito antes de falarmos de mudar as regras, precisamos de parar com o dano que temos causado enquanto sociedade, principalmente às pessoas novas, que estão a crescer e acreditavam que ser gay era errado ou má sorte. Nenhuma instituição, incluindo a Igreja, vai querer fazer esse dano. Temos de envolver a Igreja nessa mudança. E numa organização enorme como é, a mudança pode vir lentamente, mas virá.

A Igreja agora está numa posição mais frágil.
A autoridade moral foi danificada com os casos de pedofilia, é verdade. Mas para as pessoas LGBTI o verdadeiro desafio é diferente, porque as pessoas têm estado a sair do armário dentro das suas famílias, dentro das suas comunidades. E o mundo está a entender que são apenas pessoas que querem seguir com as suas vidas e deviam poder fazê-lo. Sem sentir que algo errado se passa, sem serem marginalizados, sem que lhes digam que tiveram má sorte. O que vemos é uma voz crescente, não só de pessoas LGBTI, mas de irmãos e irmãs, que dizem que o mínimo que podemos fazer é tratar todas as pessoas por igual e com respeito. Não há dúvida de que a autoridade moral dos que estão no poder foi danificada, porém o verdadeiro poder é da autoridade moral dos católicos, dos fiéis de base, que dizem que a realidade tem de mudar. Sabemos hoje sobre a comunidade LGBTI o que não sabíamos há 15 anos, as pessoas nascem assim e à medida que crescem temos de ter a certeza de que não as magoamos. A Igreja pode continuar a ignorar os seus membros e a ignorar a ciência, mas sabemos que os jovens querem que as coisas mudem, porque têm amigos e irmãos gays.

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