expresso.sapo.ptexpresso.sapo.pt - 18 nov. 18:00

O cinema pergunta ao futuro: “Será possível criar algo totalmente diferente da realidade?”

O cinema pergunta ao futuro: “Será possível criar algo totalmente diferente da realidade?”

Em 2018 os festivais de cinema já não são apenas uma mostra de filmes em competição. Diretores e curadores querem desafiar o público a pensar e a imaginar novos caminhos. Na 12ª edição do Festival de Cinema de Lisboa e Sintra, que começa esta sexta-feira, são apresentados dois ciclos temáticos paralelos à programação que constituem verdadeiras jornadas de reflexão. Inês Branco López, curadora do ciclo O Desejo Chamado Utopia, explica ao Expresso porque vale a pena espreitar a lista de filmes propostos

Pode o cinema ajudar-nos a compreender a realidade? Sim, pode. Muitas vezes afastando-nos do que conhecemos, mostrando-nos paisagens e histórias e ideias que nos fazem sonhar e pensar um mundo diferente. O cinema pode muito bem ser um veículo para a utopia - destinado a falhar, destinado a mostrar. Quem o diz é Inês Branco López, 23 anos, luso-espanhola que vive em Paris e está a terminar o curso de Filosofia.

Pela primeira vez a trabalhar no LEFFEST, que acontece em Lisboa entre 16 e 25 de novembro, Inês é curadora do ciclo temático O Desejo Chamado Utopia - à Procura dos Impulsos Utópicos na História do Cinema. Ao seu lado estão Alexey Artamonov e Denis Ruzaev, dois russos que conheceu num festival de cinema na Sibéria, onde também estava o produtor Paulo Branco. Foi aí que "surgiu a ideia de criar um espaço de liberdade para escolher filmes" que de alguma forma rasgam novos caminhos na linguagem cinematográfica.

Porquê um ciclo dedicado à procura dos impulsos utópicos na História do cinema?
Este ciclo temático está muito ligado ao segundo ciclo temático chamado “Neoliberalismo - a semente do populismo e dos novos fascismos?”, porque na nossa sociedade, com a crise e a situação política que estamos a viver nos EUA e mesmo no Brasil, assim como movimentos políticos na Europa, o LEFFEST quis tomar uma posição e ter um espaço de pensamento sobre essas questões.

Mas porquê a utopia?
Porque a sociedade neoliberal impede todo o pensamento de um sistema radicalmente diferente, radicalmente Outro. Foi a partir daí que quisemos criar um programa sobre utopias. Na sua definição, a utopia é algo que não se realiza, mas isso não quer dizer que não exista vontade de mudar as coisas e de criar ainda mais.

Ao vermos a lista de filmes apresentados percebemos que todos convergem no sentido da política e que de alguma forma refletem uma vontade de agir para mudar a sociedade. Este é um ciclo para despertar mentalidades?
Não temos essa pretensão. Mais do que despertar, é criar os traços de possibilidade de pensarmos nisso. Fizemos o esforço de procurar filmes muito pouco conhecidos em Portugal, alguns são estreias cá. No fundo, são filmes que criam novas linguagens cinematográficas.

Como é que aconteceu o processo de seleção de filmes entre os três curadores?
Demorou cerca de três meses. No início foi difícil definir o conceito de utopia aplicado ao cinema. Começámos por procurar filmes mais marcadamente políticos, como o Torre Bela, de Thomas Harlan, ou o Narita, de Shinsuke Ogawa, mas rapidamente, e de forma muito natural, chegámos à conclusão que queríamos mesmo era procurar novas linguagens. A possibilidade de criar e pensar de forma diferente do que as normas nos impõem.

Ao todo neste ciclo são 24 filmes. Ficaram muitos de fora?
Sim, ficaram alguns, também fizemos algumas trocas, mas tentámos desde o princípio não ter demasiados filmes para evitarmos o processo de cortar.

O primeiro filme é "A Quimera do Riso", realizado por Preston Sturges em Hollywood, em 1941, ou seja, uma comédia em plena Segunda Guerra Mundial. Tem algum simbolismo especial?
Esse filme foi escolhido pelo diretor do LEFFEST, Paulo Branco. Acho que foi a sua intuição cinematográfica, mas só ele poderia justificar essa escolha.

Vão também mostrar o filme "Nas Latitudes do Futuro", do realizador português Marcelo Felix. A obra é de 2017, mas é relativamente desconhecida em Portugal, não é?
Este filme nunca passou em Portugal. É muito pouco conhecido e por isso achámos importante passá-lo. É um filme muito curto e consiste numa viagem histórica pela Rússia pré-soviética e a atual. Marcelo Felix é muito apaixonado pela Rússia e neste filme ele usa versos de Marina Tsvetaeva para falar de diferentes tempos com um ar muito melancólico e utópico.

O mítico "Torre Bela", de Thomas Harlan, também figura na lista de filmes escolhidos. Podemos dizer que é o momento mais especial deste ciclo, uma vez que após a exibição haverá um debate com a presença de Otelo Saraiva de Carvalho e Camilo Mortágua?
O que vai ser interessante é que haverá uma discussão sobre a duração da cópia. Thomas Harlan fez muitas versões do "Torre Bela" e ninguém está realmente de acordo sobre a versão que mais se aproxima da vontade do realizador. Algumas pessoas acham que é uma versão com 4h30 e outras defendem que não. A versão que vamos ver é a que Paulo Branco e José Manuel Costa, diretor da Cinemateca portuguesa, julgam que é a mais sincera e a mais próxima daquilo que Thomas Harlan queria.

Que outros filmes destaca nesta mostra?
O filme “Fragment of an Empire”, de Fridrikh Ermler, estreia numa versão restaurada em Portugal. É um filme soviético vanguardista (anos 20), mudo, e vai ser acompanhado pelo trio de Rodrigo Amado ao vivo. Também demos carta branca a Wes Anderson, que sugeriu o filme "Running Fence", que vai ser mostrado na abertura do ciclo, em Sintra.

Este ciclo mostra filmes de praticamente todas as décadas desde que existe cinema e de cinematografias de vários cantos do mundo. Foi uma preocupação para os curadores ter esta variedade?
Sim, sim, foi muito importante. Abrir e não focar apenas num ou noutro tipo de cinema. Queríamos filmes pouco conhecidos e de diferentes partes do mundo para transmitir universos próprios e diferentes.

O que liga esses filmes uns aos outros?
O que liga é o nosso pensamento em busca dos impulsos utópicos desses filmes na sua própria existência. A pergunta que fica é: será possível criar algo totalmente diferente da realidade?

Este ciclo vai continuar nas próximas edições?
Não sei, este festival não é pensado de um ano para o outro. Estamos muito focados nesta edição.

"Seven Songs for Malcom X", de John Akomfrah, é exibido dia 18 de novembro às 21h30 no cinema Nimas em Lisboa

"Seven Songs for Malcom X", de John Akomfrah, é exibido dia 18 de novembro às 21h30 no cinema Nimas em Lisboa

Veja AQUI a programação completa dos dois ciclos temáticos do LEFFEST.

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