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Uma queijaria/escola para consumidores e produtores

Uma queijaria/escola para consumidores e produtores

Na Enoteca 17.56, a Fromagerie Portuguesa é um espaço bonito e concebido para tratar bem dos queijos. Produtos de todo o mundo e dicas sobre consumo não faltam. Às tantas, parece que estamos em Paris.

O presidente da Real Companhia Velha, Pedro Silva Reis, sonhou um dia que seria possível criar em Gaia, com a Ribeira do Porto à vista, o mais requintado e ecléctico espaço de enoturismo do país, que tanto ficaria bem em Bordéus como em Florença. Dois anos depois, nasceu a Enoteca 17.56 - equipamento que junta um museu da história do Douro, três zonas de restauração, diferentes espaços para eventos exclusivos, uma loja de vinhos, uma sala de charutos e uma loja de queijos.

A gente aproxima-se desta Fromagerie Portuguesa com espanto. Espreita as montras, passa a porta de entrada, confirma que cada queijo tem um espaço próprio em função da temperatura que lhe convém e que o jogo de luzes foi concebido por um designer de iluminação, e fica com a sensação de estar numa relojoaria, sendo que os relógios foram substituídos por queijos de todos os formatos, dimensões e cores.

No que diz respeito a lojas de queijos, Portugal nunca viu nada assim, quer no que diz respeito ao design da loja quer na qualidade e variedade dos queijos, que tanto podem ser consumidos na Enoteca 17.56 com um sortido de vinhos que não acaba ou em casa com amigos fanáticos por queijo.

Com a gestão de Francisca Dória, a Fromagerie apresenta um sortido bastante vasto de queijos estrangeiros (maioritariamente franceses) e portugueses. E, como nada foi deixado ao caso, os produtos de fora são fornecidos pela Maison Cantin - a casa de afinação de queijos desde 1950 que é gerida por Marie-Anne Cantin. Uma pessoa quer um Charolais, Chévres com diferentes curas, um Crottin de Chavignol, Camambert de lei, Contés com 40 meses, Stiltons, Mont d'Or e afins, e encontra aqui. Se a ideia é ter acesso a uma selecção de bons queijos nacionais de diferentes regiões e leites, há produtos escolhidos por Maria João Oliveira (DosQueijos), especialista na matéria, que tem sempre a virtude de descobrir produtores que não aparecem nos canais de distribuição moderna.

O que impressiona na Fromagerie Portuguesa é o rigor nas temperaturas de conservação dos queijos. Quando estamos habituados, nos nossos supermercados, a ver prateleiras ou vitrinas de queijos em que é tudo ao molho e fé em Deus, aqui a temperatura para um Mimolette é uma e a temperatura para um requeijão, outra. E mais. O pessoal da loja está treinado para nos recomendar a melhor forma de tratar, degustar e conservar cada queijo.

Esta cultura que a Fromagerie promove inspira-se na escola francesa, cheia de tradição, riqueza e rigor. Numa recente visita ao Porto, Marie-Anne Cantin e o marido, o português António Dias, provaram, pela enésima vez, que quer os produtores nacionais quer os consumidores precisam de ganhar uma cultura de exigência no mundo do queijo.

Francesa dos pés ao último filamento de cabelo, Marie-Anne Cantin, depois de elogiar alguns dos queijos afinados por si num jantar na Enoteca 17.56, não pediu licença para se atirar a alguns queijos portugueses no que dizia respeito ao nível de sal e aos processos de cura. Sentado à mesa e escutando as suas tiradas, fiquei a imaginar que se esta prova fosse feita no território dela havia de ser o bom e o bonito. Por cá, ainda se conteve qualquer coisa.

Com ou sem exageros - falamos de realidades muito distintas -, eu gostaria que alguma entidade portuguesa, pública ou privada, tivesse visão estratégica para convidar esta afinadora ou outros afinadores de queijos para, num qualquer "workshop", explicar aos nossos produtores e consumidores a importância desse exercício que é a afinação dos queijos.

Não interessaria a questão da comparação dos nossos queijos com os queijos franceses, italianos ou suíços. O que interessaria era perceber como evoluiria a qualidade dos nossos grandes queijos se os mesmos fossem submetidos a um trabalho de afinação rigoroso e estudado no tempo. Isto seria serviço público.

Como matéria viva que é e como resultado dos humores da natureza, um queijo não é um refrigerante. Mas entre o conceito de receita com ficha técnica e uma oscilação em regime de electrocardiograma no que diz respeito aos aromas, sabores e texturas para um queijo de uma mesma DOP e de um mesmo produtor vai uma distância muito grande. E é aqui que um "afineur" pode fazer diferença para dar mais consistência qualitativa aos queijos, evitando que alguns sejam melões no momento de abertura.

De maneira que os queijeiros portugueses deveriam passar regularmente pela Fromagerie Portuguesa para provar queijos e aprender qualquer coisa. Por mais históricos ou genuínos que sejam os nossos queijos, precisamos sempre de aprender. Precisamos sempre de melhorar os excelentes queijos que já produzimos.

A Fromagerie Portuguesa pode funcionar como um pequeno laboratório? Pois pode. O que não se pode é perdoar Pedro Silva Reis por se ter esquecido de uma loja de bom pão de fermentação longa e de uma banca de jornais na Enoteca 17.56 (um português nunca está contente, caramba!). É que eu via-me instalado num apartamento turístico no Porto, levantar-me meio despenteado pela manhã e ir à outra banda, com o Douro por companhia, abastecer-me de grandes queijos e vinhos para o fim-de-semana. Com ou sem baguete debaixo do braço, mas à laia de um parisiense. Isso é que seria uma grande vida.

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