www.publico.ptpublico@publico.pt - 16 nov. 06:34

“Password Web Summit”

“Password Web Summit”

Será que a password de José Silvano é uma destas? E que tal se o Parlamento organizasse uma oportuna Password Web Summit?

1. Acabou a Web Summit (WS), que assentou arraiais em Lisboa. Fico de pé atrás quando se estimam os seus ganhos directos e se discorre sobre os benefícios mediatos e indirectos. Quanto aos primeiros, há sempre uma boa dose de voluntarismo nos cálculos, às vezes para inglês (ou irlandês) ver. Por exemplo, disse-se que o retorno andaria à volta de 300 milhões de euros. Parece-me um exagero. Terão passado 70.000 pessoas pela WS que, além de ingressos, tiveram sobretudo despesas de hotelaria e restauração. Tendo em conta estes números, chega-se a um consumo por participante de 4285 euros. Valor manifestamente exagerado, a que acresce a circunstância de haver muitos participantes cá residentes. Quanto ao retorno a prazo, gostaria de ver uma análise de monitorização das iniciativas directa ou indirectamente suscitadas pela WS, em especial das tão reclamadas startups, não sabendo quantas up e quantas down.

Longe de mim, não valorizar os aspectos tecnológicos que percorrem os dias da conferência, a troca de experiências, a potenciação de contactos, a aquisição de competências, cuja “contabilidade” não é possível fazer e cujos ganhos intangíveis podem ser assinaláveis. Também não descuro o interesse para a cidade de Lisboa deste encontro planetário.

No meio de tantos palestrantes e opinadores, houve também a inevitável festança política e social. O primeiro-ministro por pouco não acampou no Parque das Nações, enlevado pelo “dono” da WS Paddy Cosgrave, que não se faz rogado perante o poder político que lhe garante um chorudo negócio. Li, neste jornal, que o preço mais baixo quanto a espaços foi o de stands de quatro (!) metros quadrados pela módica quantia de 29 mil euros e que espaços empresariais de maiores dimensões terão atingido os 330 mil euros.

IPSIS VERBIS

CITAÇÃO: “Tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia excedeu a nossa humanidade” (Albert Einstein, 1879-1955)

GREGUERIA: 444444: algarismos fazendo flexões (Ramon de La Serna, 1888-1963)

SINESTESIA: Na Web Summit respirava-se o ar colorido do Outono, sentia-se um doce vento tecnológico e inalava-se o perfume irlandês dos microfones.

PLEONASMO: Comparecer... pessoalmente (vide o caso das presenças na AR)

OXÍMORO: Intrusão... consentida (idem, na AR)

Além de António Costa, foi um corrupio de governantes. E há sempre novos sábios saídos da lâmpada mágica da fina tecnologia de certas (auto-consideradas) elites, que se pavoneiam nos corredores e exalam o seu inglês de perfeição high-tech. Cosgrave, num golpe de asa de marketing, convidou Marine Le Pen – sabe-se lá com que critério tecnológico – e, de seguida, deixou-se pressionar para a desconvidar, numa manobra publicitária de retorno assegurado. Ela que até poderia ter perorado sobre startups políticas, polígrafos e manipulação de redes sociais...

No meio de tantas comunicações, uma houve que alertou para o risco de transformar poderosos meios em formas de poder danosas. Estamos a deixar-nos colonizar pelas empresas de tecnologia, disse o canadiano que denunciou o escândalo do uso abusivo do Facebook pela Cambridge Analytica. Em particular, no que diz respeito às redes sociais e seus derivados, afirmou que inicialmente vistos como “mensageiros divinos, que promoviam a união”, vêm-se transformando em “exploradores que querem acumular recursos”.

SCIENTIA AMABILIS <i>SCIENTIA AMABILIS</i> Foto

Choupo-tremedor (Populus tremula, L.)

Uma das árvores que mais se aprimora na despedida das folhas outonais é o conhecido choupo ou álamo. Começa agora a oferecer-nos, com desvelo, o amarelo docemente impressivo antes do descanso invernal. Na Roma Clássica, era a árvore mais comum e, por isso, Lineu deu-lhe o nome científico de Populus, que quer dizer do povo. Há mais de 30 espécies e muitos híbridos de choupos. Aqui, refiro tão-só o choupo-tremedor com as suas leves e elegantes folhas, que por menor que seja a brisa, bailam em uníssono uma valsa afinada de movimentos ritmados. É também uma árvore urbana sobretudo plantada na segunda metade do século passado. Mas hoje os choupos não serão muito bem acolhidos pelos decisores arbóreos, sobretudo pelo algodão das flores em forma de amentilhos que provoca alergias e pelas raízes fortes e cabeladas, que sustentam o seu elevado porte, mas que irrompem e maltratam a calçada portuguesa. O seu nome colectivo – choupal – ficou indelevelmente ligado à tradição coimbrã com “Do Choupal até à Lapa foi Coimbra meus amores” com que se inicia o fado coimbrão de Zeca Afonso.

Enfim, depois da espuma desaparecida, da poeira assente e do palavreado esquecido, o que fica verdadeira e sustentadamente? Cada qual que responda...

2. Coincidência curiosa foi a de a WS se ter realizado na semana do chamado “caso Silvano” ocorrido na AR. Quem de vós nunca partilhou uma password?, perguntou em tom quase evangélico a deputada Emília Cerqueira depois de ter entrado num computador alheio, afirmando ainda, sem ruborizar, que “a troca de palavras-passe entre os deputados é uma prática comum”. Tudo isto acompanhado do silêncio comprometido dos deputados de todas as bancadas e da inércia da Comissão de Ética da AR.

Veio-me, então, à memoria o que, há tempos, li sobre a violação de códigos de segurança, que tomaram conta da nossa vida, seja para o simples cartão multibanco, para o telemóvel, e-mails ou para toda a parafernália de acessos informáticos.

Criar palavras-chave invulneráveis tornou-se uma dor de cabeça, mas há quem continue a abusar da falta de imaginação ou de uma irreversível preguiça, como se comprova pela lista das piores passwords de 2017, revelada pela SplashData, uma representativa empresa de segurança informática. A lista, elaborada pelo sétimo ano, foi feita com base em cinco milhões de passwords roubadas ou violadas no ano passado na América do Norte e na Europa.

É inacreditável como, nos tempos que correm, haja quem adopte a sequência de números 123456, que continua a ser a mais vulnerável password, logo seguida pela própria palavra password. As sequências de números, aliás, dominam o top-10 das piores senhas: 12345678 é a terceira na lista, 12345 é a quinta, 1234567890 é a sexta! No quarto lugar, surge a habitual sequência de letras do teclado, qwerty, também altamente desaconselhável.

Além das sequências de números, a lista inclui ainda algumas palavras comuns, que obviamente são arriscadíssimas, tais como, em versão inglesa, basebal e football ou ainda iloveyou, welcome, login, computer, etc.

No top-100 há nomes (Robert e Andrea, os primeiros), marcas (Ferrari, à cabeça), alimentos (banana em 61.º), e até há aaaaaa!

Será que a password de José Silvano é uma destas? E que tal se o Parlamento organizasse uma oportuna Password Web Summit?

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