observador.ptJoana Almeida - 16 nov. 00:41

Do que falamos quando falamos de inclusão?

Do que falamos quando falamos de inclusão?

Numa escola inclusiva, são os professores, com toda a responsabilidade que lhes está inerente, que ajudam a regular, a equilibrar as expectativas e as aflições de muitos pais.

O conceito Inclusão poderá parecer simples, mas no que toca à Educação tem demonstrado um historial difícil. Um historial que já revogou duas leis e onde ainda andamos a tentar perceber o que podemos fazer para que esta seja uma sociedade inclusiva.

O novo ano letivo trouxe consigo mudanças fortemente significativas naquilo que se espera ser uma nova cultura de escola. Uma filosofia que há muito se tem vindo a apregoar em inúmeros fóruns e conversas e que permaneceu em fila de espera até agora. O novo Decreto-Lei 54/2018, que veio substituir o antigo Decreto-Lei 3/2008 e que tutela as medidas educativas, consigo traz, também, um manual como documento orientador para uma Escola Inclusiva.

A sociedade evoluiu para deixar de esconder e não olhar como parte integrante pessoas com deficiência, para perceber os seus direitos e deveres enquanto cidadãos. Mas à revelia do que a evolução nos poderia dar, ainda precisamos de um Manual para a Inclusão. Ainda estamos no tempo em que precisamos de, perante o que é diferente, encontrar respostas que negamos estarem em nós (de repente esquecemo-nos de ser professores e focamo-nos apenas na nossa amarra a um currículo, a um formato único a que historicamente não temos conseguido escapar). Na falta de tempo e disponibilidade e perante aquilo a que não conseguimos responder exigimos, única e exclusivamente, respostas a determinados departamentos. Saímos de cena e delegamos as Necessidades Educativas Especiais (NEE) para um espaço específico dentro da escola.

Ao não compreender e fugir para o nosso mundo, mais confortável e seguro, tomamos as dores (de longe) dos “outros” aplicando-lhes toda a nossa condescendência. Afinal são “NEE”, são diferentes, não aprendem da mesma maneira. Quando estão na aula deixo-os sossegados, não chateiam, estão “integrados” numa sala. A colega do lado ajuda porque não tenho tempo a perder e há matéria para dar. Esquecemo-nos que, na maior parte dos casos, “perder” cinco minutos no final da aula com um aluno é ganhar cinco minutos na relação, essencial para o sucesso, professor-aluno.

As amarras a um currículo, a um formato e a condescendência latente aos alunos “NEE”, que ainda não se safaram dos rótulos, continuam a ser um dos maiores desafios a ultrapassar. Assumo-me como muito impaciente no que toca a títulos e mensagens condescendentes. O palavreado por vezes rebuscado que arranjamos para denominar qualquer aspeto, quer físico ou intelectual, com receio de ferir suscetibilidades por parecer menos socialmente aceite, ou quando suavizamos a postura e palavras para tornar o nosso discurso “mais fácil” de ser compreendido pelo “coitadinho”, é no meu entender uma enorme falta de respeito. É o mesmo sentimento quando oiço, em reuniões de conselhos de turma, “Como ele faz (fazia) parte do D.L. 3/2008 e tem um PEI (Programa Educativo Individual), eu dei-lhe um 3”. Como se existisse um documento que servisse de um passe livre para “ir andando” pela escola sem definir objetivos que devem ser, igualmente, exigentes e rigorosos, dentro do perfil de funcionalidade de cada aluno. Esta é, infelizmente, ainda a realidade de muitas escolas, por muito decreto que se elabore ou organize. Porque ainda há um desenho de escola que (ainda) não consegue corresponder à pluralidade existente.

Apontar falhas e fragilidades ao antigo Decreto Lei 3/2008 foi recorrente à medida que foi sendo implementado. Existiam constrangimentos identificados, objeto de reflexões contínuas. Este novo projeto (Decreto Lei 54/2018) pretende não só responder às fragilidades encontradas como ir mais além, revolucionando a conceção de currículo e de aluno nas suas várias valências. Sou favorável a esta nova legislação, com a salvaguarda de que devem continuar a existir, como solução possível e não descentralizadora, outras estruturas e instituições que possam continuar a responder a casos de fim de linha. Encará-los como desnecessários não é fechar os olhos à Inclusão, mas sim fechar os olhos à realidade. Mas sou sobretudo favorável a um novo paradigma que responsabiliza toda a comunidade escolar por todos os alunos não se fechando em gabinetes, em salas e em departamentos e que, acima de tudo, não assuma todos como Manel e todos como Maria.

A verdade é que, com decreto ou menos decreto, nos temos vindo a esquecer de ser professores. Temos atualmente toda uma comunicação social e uma grande parte da sociedade a querer endireitar os professores, mas esquecem-se que são os professores, os bons professores, que nos conseguem endireitar. E que numa escola inclusiva são os professores, com toda a responsabilidade que lhes está inerente, que ajudam a regular, a equilibrar as expetativas e as aflições de muitos pais e que ajudam a percorrer um caminho que traz grandes ansiedades a ambos. São os professores que conversam com os pais regularmente; que estão disponíveis para ouvir; que sabem avaliar pedagogicamente um aluno; que sabem aquilo que necessita e dominam as técnicas e as ferramentas para chegarem a bom porto. São os professores que nos endireitam quando ligamos assustados sobre os nossos filhos. São eles que às vezes chegam a conhecer melhor um filho (sim, acontece). E são eles que endireitam os pais quando os chamam a assumir as suas responsabilidades.

A Inclusão não é, nem nunca poderá ser, condescendência. Pelo contrário. Numa corrida de 100 metros quem é coxo pode fazê-la na mesma, mas não podemos exigir a mesma velocidade. Podemos no entanto exigir, como direito e dever, que o aluno a faça. A Inclusão é um estado. Não pode nem é decretada, é sentida.

Inclusão é a responsabilidade de perceber e conhecer os seres humanos por detrás dos alunos, independentemente do seu background e do seu ponto de partida. É exigir, dentro do seu perfil, aquilo que percebemos que pode corresponder, nunca nivelando por baixo, por respeito e dignidade. Inclusão é o dia em que não me amedronto com rótulos ou diagnósticos e quando encaro aquele aluno, todos os alunos, como mais um desafio, já sem manual e de preferência com amarras menos apertadas.

Professora
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.

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