observador.ptAlexandre Homem Cristo - 15 out. 06:59

O orçamento das últimas oportunidades

O orçamento das últimas oportunidades

O OE2019 é a última oportunidade de BE e PCP mostrarem que têm algum peso de decisão dentro da geringonça. E também a última oportunidade para o PSD se assumir como alternativa e liderar a oposição.

Os primeiros sinais estão aí e, com a entrega do Orçamento de Estado para 2019 (OE2019) no parlamento, está claro que o país mergulhará numa discussão inútil: a de avaliar o eleitoralismo no OE2019. Com tantos anúncios eufóricos dos parceiros na geringonça, a tentação de denunciar algum despesismo é quase irresistível para os partidos na oposição. Mas essa abordagem é inútil por três motivos.

Primeiro, porque o OE2019 é eleitoralista, da mesma forma que o são todos os orçamentos de final de ciclo político. É assim que se joga o jogo em Portugal (e em muitos países): na medida do possível, os partidos no governo utilizam o orçamento pré-eleições para reforçar apoios sociais, aumentar rendimentos e diminuir a carga fiscal – isto é, para agradar ao eleitorado. Sócrates fê-lo em 2009 (com aumentos de salários) e até o governo PSD-CDS afrouxou a contenção orçamental em 2015. Num artigo de 2017 publicado na revista académica International Review of Applied Economics, dois investigadores portugueses (Vítor Castro e Rodrigo Martins) analisaram as despesas nas principais áreas orçamentais entre 1991-2013. Na sua análise, constataram que acontece aquilo a que chamam de “oportunismo político”, ou seja, um ajuste ao tipo de despesas em função dos interesses eleitorais. Por exemplo, o período que antecede eleições é caracterizado por aumentos de investimentos em infraestruturas (escolas, centros hospitalares, estradas) – por serem mais visíveis aos eleitores. Dito de forma simples: as finanças públicas são geridas, no ano que antecede eleições, como parte da estratégia de campanha.

Segundo, a discussão é inútil porque o risco teórico das opções eleitoralistas é o sacrifício do equilíbrio das contas públicas – e esse risco actualmente não existe. O tema já mereceu centenas de análises: em nome do equilíbrio das contas públicas, e apesar do discurso oficial, este governo manteve níveis elevados de contenção orçamental, estrangulando a despesa pública em várias áreas-chave da administração. Fê-lo porque precisava de mostrar a Bruxelas que a geringonça merecia a confiança das instituições europeias e dos credores internacionais. Fê-lo porque Mário Centeno, ao assumir a presidência do Eurogrupo, não poderia ser simultaneamente o rosto da austeridade europeia e do despesismo tuga. E fê-lo porque foi uma forma eficaz de esvaziar o principal argumento político de PSD-CDS: o de que só à direita há boa gestão das contas públicas. Foi tudo mais por necessidade do que por convicção? Talvez sim. Mas isso é irrelevante para o resultado final: não há hoje um risco efectivo de descarrilamento orçamental.

Terceiro, a acusação de eleitoralismo é inútil porque afasta do fundamental, que é a análise das escolhas políticas dos partidos à esquerda. E há escolhas políticas neste OE2019 que são erradas e apenas servem agendas partidárias. Talvez o maior exemplo disso seja a diminuição do valor das propinas dos estudantes do ensino superior, anunciado em apoteose pelo Bloco de Esquerda – ficará em 856 euros, uma diminuição de 212 euros face ao valor actual. Está claro o benefício político que o BE visa obter junto do seu eleitorado e dos movimentos estudantis, onde está fortemente enraizado. Mas, do ponto de vista das políticas públicas, a decisão é um tiro ao lado – na medida em que está desalinhada das prioridades do sector. Porque não há qualquer indicador que esta poupança de 212 euros contribua para que mais jovens frequentem o ensino superior. Porque a maior preocupação dos estudantes não é o valor da propina, mas os custos da habitação e a escassez de residências universitárias (como aliás apontou um dirigente estudantil). E porque diminuir as receitas provenientes das propinas tornará as universidades ainda mais dependentes do orçamento de estado, que nos últimos anos tem sucessivamente financiado o sector abaixo das suas necessidades – ou seja, a medida celebrada pelo BE aumentou o risco de subfinanciamento das instituições.

Mais do que julgar eleitoralismos, há que avaliar o OE2017 pelo que o documento é: o orçamento das últimas oportunidades. A última oportunidade de BE e PCP mostrarem ao seu eleitorado que a aliança com o PS valeu a pena e que têm algum peso de decisão dentro da geringonça – um problema político da maior importância, que levou aliás o PCP (de forma inédita) a convocar os jornalistas para anunciar medidas e reclamar para si os louros das negociações. Consequentemente, é expectável que o OE2019 esteja repleto de medidas avulsas, precipitadas e incoerentes – em detrimento das reformas em áreas-chave da governação. É também a última oportunidade para o PS aproveitar os benefícios da situação económica, aumentar rendimentos e chutar para longe as chatices (a remodelação na equipa do governo não é mais do que isso). E é, por fim, a última oportunidade para o PSD se assumir como líder da oposição, apresentando um projecto político alternativo. Até às eleições, não haverá mais nenhum momento de tamanha intensidade política e ininterrupta cobertura mediática. Para uns e para outros, é agora ou nunca.

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