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O fardo de se chamar Maradona

O fardo de se chamar Maradona

Apelido famoso de Sergio carregou-o de expectativas. Foi colega de Messi, mas acabou num clube de narcotraficantes.

Tinha pinta de craque, tinha nome de craque... mas não deu em craque. Esta é a história, como há tantas outras, de um jovem futebolista a quem se adivinhava um futuro brilhante, mas cuja carreira não esteve à altura das expectativas. Há, porém, um detalhe que torna muito mais cruel o destino desta promessa adiada. Chamava-se Maradona.

Era uma vez um miúdo chamado Sergio Maradona. Coincidiu com Lionel Messi nas camadas jovens do Newell’s Old Boys e foi capa do diário desportivo argentino Olé aos 11 anos. Mas o seu percurso no futebol nunca chegou ao nível do apelido que carregava como um fardo. Chegou a ter uma oportunidade de ir para Espanha, mas o pai achou que era muito cedo e recusou. Acabaria a jogar no México, num clube que pertencia a narcotraficantes de quem depois teve de fugir. “[Chamar-me Maradona] sempre me pesou muitíssimo. Creio que se tivesse outro apelido qualquer teria chegado longe. A pressão seria muito menor”, admitia Sergio, numa entrevista em 2014.

A história do “falso Maradona”, contada há quatro anos pela jornalista argentina Agustina Grasso e recuperada pela revista espanhola Líbero, demonstra quão ténue é a linha que separa o sucesso do fracasso. Um ano mais novo do que Messi, Sergio Maradona coincidiu com o craque do Barcelona nas camadas jovens do Newell’s – e até diz que foi ele o autor da alcunha “La Pulga”. “Fui eu que lha coloquei. Ele não gostava. Ficava chateado quando lhe chamávamos isso”, afirmou numa entrevista dada no ano passado ao portal Yahoo Esportes. “Quando era criança já era incrível. Não imaginávamos que ele se tornaria um génio, mas naquela época já era um craque. Quando pegava na bola, não havia quem lha tirasse”, acrescentou.

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Eles eram os dois maiores jovens talentos do Newell’s e pouca gente duvidava que viessem a fazer-se futebolistas de topo, especialmente após o desempenho da equipa no Mundialito de Mar del Plata. “Tinha 11 anos e tudo girava à minha volta. Nas meias-finais demos um baile ao Boca, ganhámos 4-1 com dois golos meus. Esse jogo foi uma loucura. Falaram de mim na televisão, fui capa do Olé”, recordava Sergio. E, de facto, assim foi: a edição de 27 de Janeiro de 2000 do diário desportivo argentino trazia na capa uma foto do miúdo, sob o título “Chama-se Maradona”. “Diego, canhoto, hábil, goleador, com muito futuro. Sergio, destro, hábil, goleador, com muito futuro. Dois Maradonas, sem qualquer parentesco mas com um mesmo caminho: o futebol”, lia-se no texto que lhe era dedicado no interior.

Esse torneio em Mar del Plata projectou a carreira de Sergio. Surgiu a hipótese de prestar provas no River Plate. Foi e ficou, mas a distância da família e a exigência encurtaram a experiência. “No River era obrigatório estudar línguas e eu não dava para os estudos. Acabei por voltar para casa. A minha família queria matar-me”, contou a Agustina Grasso.

Aos 19 anos assinou pelo Atlético Tucumán, que actuava no terceiro escalão do futebol argentino. Só que também essa experiência não durou. “Estava apaixonadíssimo pela minha namorada Denise. Um dia, sem dizer nada a ninguém, vim para Rosario vê-la e à minha família”. O treinador Jorge Solari fez a viagem de mais de 900 quilómetros para ir buscá-lo, mas esbarrou na casmurrice do jovem futebolista. “Não me lixes, apostei tudo em ti. Tens uma capacidade tremenda, podes jogar onde quiseres, mas tens merda na cabeça”, lamentou o técnico.

“Agora cruzamo-nos no bairro e nem nos falamos”, contou Sergio sobre a relação com Denise.

A sua carreira entrou então numa espiral autodestrutiva. Menos de um mês após deixar o Atlético Tucumán, viajou para o México. Assinou pelo Albinegros de Orizaba, um dos clubes mais antigos do futebol mexicano, mas após dez jogos e zero golos entrou em conflito com o treinador, com o presidente (por ter saído com a sua filha), e começou um périplo por clubes amadores, onde recebia por partida.

Teve então a possibilidade de voltar a jogar nas competições nacionais, pelo Mapaches de Nueva Italia. Mas havia uma condição: utilizar uma identidade falsa. Hesitou, acabou por avançar, e na estreia, livre do peso do apelido Maradona, marcou três golos. Depois percebeu o que se passava. O dono do seu novo clube era Wenceslao Álvarez, cabecilha de uma das células do cartel de Michoacán. Entrou em pânico, fugiu, mas detectaram-no e teve de regressar. Durou um ano: “A minha namorada ficou grávida, tivemos um filho, e depois os tipos de Michoacán deixaram o futebol. Convidaram-me a entrar no negócio, ensinaram-me a disparar. Passei meses sem comunicar com a minha família”, recordou Sergio. Tinha 21 anos quando regressou à Argentina.

Em vez de coleccionar troféus, Sergio Maradona coleccionou filhos: “Tenho uma menina na Argentina. Deixei dois filhos na Bolívia e uma no México”, dizia ao Yahoo Esportes em Setembro de 2017. Na altura, com 29 anos, não tinha contrato com qualquer clube, mas não perdia o optimismo: “Há muitos clubes da América do Sul que querem um jogador argentino chamado Maradona.”

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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