ionline.sapo.ptEduardo Oliveira e Silva  - 19 set. 11:14

O dedo de Marcelo

O dedo de Marcelo

Em muitas matérias e decisões é evidente a influência do Presidente da República. A manutenção de Joana Marques Vidal é um exemplo óbvio

Só os mais distraídos ou desconhecedores dos meandros políticos e da personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa é que não percebem que o Presidente não limita a sua hiperatividade a mergulhos, beijinhos, selfies, visitas espontâneas e mais uma panóplia de coisas que ele já foi capaz de fazer nos frenéticos anos do seu mandato, o qual (já não há dúvida) quer renovar.

O atual Presidente é, em primeiro lugar, um ser humano e um político experiente, inteligente, hábil, atento e hiperativo que condiciona quotidianamente a política nacional, na qual intervém abundantemente, mas sempre sem se expor em excesso.

Basta ter lido a edição de sábado do “Expresso”, que está, entretanto, transformado na posta restante de Marcelo e de Costa, para perceber o peso e a influência de Marcelo no panorama atual da política portuguesa.

Como era previsível e neste espaço se adiantou, foi Marcelo quem pressionou ou, vá lá, convenceu Joana Marques Vidal a aceitar um novo mandato como procuradora-geral da República, mau grado o atropelo democrático que tal facto constitui. Isto apesar de ele próprio ter preferido em tempos o mandato único. É praticamente certa a recondução e só uma improvável não proposta do governo poderia alterar alguma coisa. Simplesmente, Marcelo percebeu que a opinião pública, a opinião publicada e televisionada, a corporação do Ministério Público, a judiciária e certos políticos nunca veriam com bons olhos a substituição de uma PGR tida como uma super-heroína da justiça. Criou-se uma situação em que mesmo os que não a querem não têm margem para rejeitar, por causa da propaganda à sua competência. Sabe-se, porém, que não é bem assim. Que o mandato é controverso. Que a perpetuação nos lugares é um mau sinal, mas adiante. António Costa, por muito que lhe custe, também não tem interesse em substituir a PGR para não ficar suspeito de favorecer o seu ex-amigo e líder José Sócrates, a braços com uma investigação de um Ministério Público que optou por complicar tanto o caso que até pode fazer com que ele não dê em nada ou se arraste por mais 15 anos, a juntar aos seis que já leva. A mais que provável manutenção de Marques Vidal serve Marcelo e toda a gente menos, talvez, a democracia e a justiça, que deve ser cega.

Um caso em que se pressente também o dedo do Presidente é o de Tancos. Marcelo tem lembrado pontualmente que o assunto é grave, não podendo passar sem consequências. Como Costa aguentou o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, Marcelo dirigiu subtilmente o foco para o chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte, cujo mandato certamente não será renovado. Por parte do governo, a recondução passava de fininho, mas a oposição do chefe de Estado parece firme.

Outro campo em que o PR interveio para condicionar é o Orçamento do Estado que está em preparação. Como é bom de ver pelas declarações e atitudes de António Costa e de Mário Centeno e pelas notícias que vão escorregando para fora, o OE não vai ser um regabofe como o que Teixeira dos Santos produziu com Sócrates e nos atirou para um resgate violento e evitável. Mesmo sabendo que Centeno é pessoa sensata e responsável, a travagem a um Orçamento eleitoralista em excesso foi um tema sobre o qual Marcelo deu alertas, fazendo saber da sua indisponibilidade para assinar e promulgar coisas perigosas.

Um dos fatores que também preocupam o Presidente é o quadro político- -partidário, no qual a sua intervenção tem necessariamente de ser mais discreta. Atualmente, Marcelo vai conseguindo moderar certos ímpetos, por via do peso da sua esmagadora popularidade, que condiciona o governo e a sua base parlamentar. Mas quanto ao futuro pós-legislativas, uma maioria absoluta do PS poderia criar-lhe vários problemas. Por um lado, retirava-lhe o espaço de influência que tem na geringonça. Por outro, um executivo só do PS faria imediatamente crescer a tensão social, gerando greves e perturbando o ambiente de relativa estabilidade que existe no mundo do trabalho e que atrai investidores. Terá sido, em parte, por isso que Marcelo mostrou sinais de preocupação com a inopinada saída de Santana Lopes do PSD, que pode contribuir para uma descida dos sociais-democratas em zonas urbanas, propulsionando o PS para cima. É, pois, natural que o Presidente siga atentamente e com preocupação a evolução na direita, sobretudo numa altura em que o CDS entrou numa fase de frenesim, com Assunção Cristas a concorrer em termos de aparições com Catarina Martins. Logo Cristas, que teve um papel relevante na crise habitacional que estamos a viver, por via da lei de arrendamento que expulsa inquilinos antigos sem as contrapartidas que ela dizia que iriam existir quando era ministra, numa descarada mentira. Um CDS acima de 10% e um PSD na ordem dos 20% significaria, por outro lado, a existência de um espaço de crescimento para uma formação (de direita ou de esquerda) de natureza populista, o que obviamente arrepia Marcelo.

Aqui, ali e acolá temos, portanto, um Presidente interventor, a maioria das vezes a funcionar no bom sentido e outras nem tanto, mas a condicionar a vida nacional. Já em termos internacionais não se pode dizer que exerça especial influência, salvo, eventualmente, nas relações com os países africanos de língua portuguesa.

Jornalista

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