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Mudar de clima

Mudar de clima

Ao acolher a organização de uma conferência de negacionistas da influência humana nas alterações climáticas, a Universidade do Porto abriu um precedente cujas consequências reputacionais poderá não controlar. - Opinião , Sábado.

Ao acolher a organização de uma conferência de negacionistas da influência humana nas alterações climáticas, a Universidade do Porto abriu um precedente cujas consequências reputacionais poderá não controlar. Em 2018, abrir as portas de uma universidade pública a um colóquio que recusa ou menoriza o papel dos gases de efeito de estufa produzidos pelo Homem na escalada do aquecimento global é ética e cientificamente igual a albergar uma palestra de negacionistas do Holocausto ou um simpósio sobre a inocuidade das vacinas.

A influência decisiva da emissão humana de gases de efeito de estufa, desde 1760, nas alterações climáticas e no aquecimento do planeta não é uma tese em discussão, é uma verdade científica esmagadora (defendida por mais de 97% dos especialistas na área). Baseia-se em décadas de investigação, alicerça-se no método científico e é sustentada por um exército de factos. Não tendo eu um doutoramento em climatologia, e não sendo "verdade" e "factos" palavras muito apreciadas na corrente atmosfera sociopolítica, convém não exagerar na parvoíce: o ritmo do aumento da temperatura global foi de 700% desde a Revolução Industrial, e quadruplicou a partir de 1980; a emissão industrial de CO2 para a atmosfera cresceu 50% desde 1960, e o efeito de estufa provocado pelas emissões de dióxido de carbono foi confirmado ainda no século XIX; dados recolhidos por satélite indicam que a actividade solar não aumentou nas últimas décadas (uma das teses favoritas dos negacionistas): pelo contrário, reduziu-se ligeiramente desde 1980.

As causas naturais em movimentos cíclicos de agravamento climático estão estudadas, mas a influência decisiva do Homem nesse agravamento, e a curva exponencial dessa influência, também o estão. O mundo científico tornou-se tão seguro disto como das probabilidades de o fumo do cigarro causar cancro. O cepticismo científico é saudável, antes de mais como base metodológica de construção de teorias; o cepticismo face a provas científicas irrefutáveis já não é. Está PROVADO que a actividade agrícola, industrial e de consumo da humanidade nos últimos 2,5 séculos agravou as alterações climáticas e o aquecimento global.

Que a Universidade do Porto tenha autorizado um trio de prestigiadíssimos estarolas como Piers Corbyn, Nils Axel Morner e Christopher Monckton a debater com estudantes e público nas suas instalações não é um sinal de tolerância à diferença de pensamento. Também há quem pense que os indivíduos negros são geneticamente inferiores aos brancos, ou apresente evidências de que os extraterrestres aterraram no Barreiro e já vivem entre nós. A conferência do Independent Committee on Geoethics é apenas mais um passo bem-sucedido dos "factos alternativos" na luta pelo acesso à academia. No futuro, não nos poderemos queixar de a ficção e a realidade se terem tornado indistinguíveis. 

Santos e ...
O regresso de Camille Paglia é como o retorno de uma amiga livre, culta e inteligente à mesa de jantar dos nossos sonhos. De uma lucidez ofuscante (e com elegância na escrita, raro binómio), tem um novo livro editado em Portugal, que retoma a linha ensaística de Sexual Personae (1990) e desse indispensável Glittering Images: A Journey Through Art From Egypt to Star Wars (2012). Rainha das feministas em eterno auto-exílio, detesta o espírito talibã do movimento #MeToo. Quem não conhece, pode começar por um livrinho prodigioso dedicado a Os Pássaros de Hitchcock (BFI Classics). "Out of the box"? Chama-se Camille e tem 71 anos.  

Pecadores
Continuam as teses conspirativas: a facada a Jair "vou esterilizar os pobres" Bolsonaro foi encenada: como todos os fascistas encartados, o homem é diligente, e é verdade que o local do atentado se chama Juis de Fora; mas silenciar com êxito agentes da polícia, seguranças, anónimos num comício, transeuntes, condutores de ambulância, cirurgiões gástricos e centenas de funcionários de um hospital?

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