observador.ptFred Canto e Castro - 18 set. 08:08

Estás a viver para quem?

Estás a viver para quem?

Escolhemos o nosso carro, profissão, e até as nossas relações, não com base no que nos deixaria ultimamente preenchidos, mas sim naquilo que nos dará maior aprovação. E vale a pena?

Acredito que existem duas grandes forças dentro de cada um de nós com naturezas e necessidades totalmente diferentes: a essência e o ego. A essência é quem realmente somos, é o que nos torna únicos. O seu desejo é apenas manifestar-se, expressar-se na sua totalidade.  O seu objetivo é viver de forma plena e fá-lo ao brincar, rir, explorar, criar, amar e, por último, ao fazer as coisas que a apaixonam e preenchem.

O ego é uma criação da mente, o seu trabalho principal é ajudar-nos a sobreviver e, consequentemente, está sempre à procura do que está errado de modo a proteger-nos. Há dezenas de milhares de anos, se não fossemos aceites numa tribo, provavelmente morreríamos de fome ou frio. Com base nisto, o ego criou a crença de que a aprovação dos outros é essencial para a nossa sobrevivência, e que não pertencer a um grupo significa morte. Embora hoje em dia isto não faça sentido na sociedade em que vivemos, a nossa natureza mantém-se, e o ego continua à procura de validação e aceitação.

Quando somos crianças, aquilo que a nossa essência quer é manifestar-se de forma plena. Ao final do dia, quer apenas expressar a sua singularidade. Olhar para a vida, lá está, com os olhos de uma criança: tudo é uma surpresa e não é preciso uma desculpa para rir à gargalhada. Nesta altura das nossas vidas, o nosso ego não se sente ameaçado pela possibilidade de exclusão, pois somos considerados perfeitos e o amor que nos dão é incondicional – podemos mergulhar a cara no puré ao jantar que, em vez de uma reprimenda, os nossos pais riem-se e tiram-nos fotografias para partilhar com os amigos nos grupos de WhatsApp.

Contudo, à medida que crescemos, vão-nos sendo impostas regras que se tornam cada vez mais exigentes. Mergulhar a cara no puré ao jantar já não é aceitável nem engraçado. Quem não ouviu os pais dizer: “Porta-te bem, já não tens cinco anos!”, para no ano a seguir ouvir: “Porta-te bem, já não tens seis anos!” – e por aí adiante? “Não cantes à mesa!”. “Costas direitas!”. “Tens de ter boas notas!”, e por aí fora. O amor, que no princípio da nossa vida era incondicional, passa a estar sujeito a um conjunto de regras que precisam necessariamente de ser cumpridas para termos a aprovação dos nossos pais, aquilo de que o ego tanto precisa.

Mais tarde, o número e intensidade das regras, normas, e condições não pára de aumentar. Começamos a receber mensagens vindas da escola, da publicidade, da imprensa, da nossa religião e comunidade, que nos estão constantemente a dizer o que é socialmente aceitável e desejável e o que não é. Dizem-nos como nos devemos comportar e quais os objetivos a que devemos apontar. Consequentemente, a nossa essência começa a perder espaço para se expressar e, aos poucos, vai-se tornando refém da nossa necessidade de validação – primeiro, dos nossos pais e, mais tarde, do resto da sociedade. Deixamos de cantar à mesa, passamos a rir só de certas coisas, e já não podemos fazer caretas a estranhos.

Começa aqui a tensão que reside dentro de todos nós: de um lado temos a nossa essência, quem nós realmente somos, a querer fazer aquilo que a apaixona e a preenche; do outro, temos o nosso mecanismo de proteção egóico, a dizer que é demasiado perigoso sermos nós próprios. Ser diferente vem sempre com a possibilidade de exclusão social e, para o ego, não pertencer significa risco de vida. Por isso, o ego está sempre a perguntar: “Quem tenho de ser e o que preciso de fazer para que os outros me amem, ou pelo menos me aceitem?”. É nas revistas, nos filmes, nos anúncios, e em todas as outras mensagens socioculturais que o ego vai descobrir o que deve fazer e quem tem de ser para ter aquilo que mais quer – a aprovação e validação da sociedade.

São estas as duas grandes forças que moldam a decisão humana: a força da nossa essência que se quer manifestar, e a força da nossa mente egóica que nos quer proteger. Enquanto ainda estamos a cimentar a nossa autoconfiança, não tendo validação própria, procuramo-la no exterior. Começamos desde cedo a silenciar a nossa voz interior e os seus desejos, para em vez construirmos uma personalidade ditada pela cultura, numa busca incessante de obtermos aquilo que não recebemos de nós próprios: o sentimento de que somos bons o suficiente.

Esta dualidade molda todas as nossas decisões. Sempre que nos vamos vestir, há uma voz que nos diz que era giro experimentar uma certa roupa, e outra que nos alerta para o que os outros poderão pensar. Quando saímos do secundário, há uma voz que nos diz que ainda não sabemos o que queremos fazer e que nos pede tempo para o descobrirmos, e outra que nos avisa que estamos a ficar para trás. Infelizmente, sendo a Humanidade insegura na sua maioria, é o ego que constrói a nossa sobrevivência, mas que destrói a nossa possibilidade de viver a vida em pleno. Escolhemos o nosso carro, profissão, e até as nossas relações, não com base no que nos deixaria ultimamente preenchidos, mas sim naquilo que nos dará maior aprovação. Preferimos ser tratados por Senhor Doutor a sermos felizes. Ou achamos que ser tratados por Senhor Doutor nos tornará felizes. Porque nos dará aprovação.

Ao longo do tempo, tenho encontrado algumas pessoas que têm a coragem de viver a vida pelas próprias regras. Sabem que o caminho vai ser mais difícil, e que vão ser julgadas. Esse julgamento inevitavelmente vai trazer alguma dor, mas elas sabem que nenhuma dor causada por palavras alheias é maior do que a dor causada por chegarmos ao final da vida e percebermos que vivemos a vida inteira para agradar aos outros, e que pelo caminho nos esquecemos de viver a vida que a nossa essência tanto queria e podia ter vivido.

No fundo, esta é a decisão mais importante que podemos tomar: viver para o ego, ou viver para a essência. Viver para a aprovação dos outros, ou viver de acordo com quem realmente somos.

E tu, estás a viver para quem?

Fred Canto e Castro tem 24 anos e é o fundador da Sonder People, um marketplace tecnológico que conecta pessoas autênticas com oportunidades de trabalho em publicidade em Lisboa, Porto e Barcelona. É um apaixonado por desenvolvimento pessoal e comportamento humano. Integrou os Global Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.

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