www.publico.ptpublico@publico.pt - 18 set. 06:27

Super-juízes, infra-juízes e outros disparates

Super-juízes, infra-juízes e outros disparates

Podemos estar descansados. Com um juiz ou com outro, chegará o momento em que se vai fazer justiça no processo Marquês.

Por estes dias o processo Marquês chegará ao Tribunal Central de Instrução Criminal e será distribuído a um dos dois juízes aí colocados. É inútil tentar adivinhar. A distribuição é feita informaticamente, duas vezes por dia, às 9 e às 13 horas, não em sequência, por ordem de entrada, a um e outro juiz, mas sim com base num algoritmo que assegura a aleatoriedade. O sistema garante um princípio fundamental para a imparcialidade do tribunal: não se pode escolher o juiz para o processo nem o processo para o juiz.

O caso ainda não chegou ao tribunal e já estalou outra polémica. Alguns arguidos dizem que não querem um juiz. Os jornais dizem que o Ministério Público não gosta do outro. Nestas circunstâncias, parece quase certo que a fase de instrução começará com um ou mais incidentes de recusa do juiz. Não vale a pena dramatizar isto. É um direito que assiste ao Ministério Público e aos arguidos. Se acontecer, caberá à Relação de Lisboa decidir se há ou não razões para afastar o juiz, tendo em conta que esta possibilidade está prevista na lei para situações verdadeiramente excepcionais.

É inevitável que um tribunal com poucos juízes e com muitos processos importantes desperte atenção especial. Dependendo do interesse de quem avalia, pode ser muito tentador fulanizar e comparar o trabalho dos juízes à procura deste ou daquele fio condutor que permita encontrar o rótulo certo. Mas se nos pomos à partida com generalizações preconceituosas a catalogar os juízes, a dizer que há os super e os infra, que uns são a favor da acusação e outros da defesa, que uns são permissivos e os outros são securitários, corremos o risco de dizer muitos disparates. Verdadeiramente só podemos descobrir o pensamento de um juiz perante um caso concreto e no momento da decisão. Mais que isso é adivinhação.

Para percebermos as coisas com serenidade é essencial termos em conta a fase do processo em que nos encontramos. Terminou o inquérito e começa a instrução. Mais adiante, se for caso disso, haverá julgamento. O Ministério Público conduziu a investigação e concluiu que há factos e provas indiciárias suficientes para acusar os arguidos da prática de crimes. Trata-se de uma avaliação objectiva e fundada na racionalidade jurídica, mas ainda unilateral e não sujeita a contraditório. Só agora é que o processo se abre verdadeiramente aos argumentos da defesa e chega ao tribunal. Não é aqui que vamos saber se os arguidos são culpados ou inocentes. Do que se trata na instrução é de verificar se a avaliação dos indícios feita pelo Ministério Público resiste aos argumentos da defesa e é ou não confirmada, total ou parcialmente, por um juiz.

Portanto, independentemente de saber se o processo vai para o juiz A ou B, o que agora podemos ter como certo é que será distribuído a alguém muito competente, com a classificação máxima que se pode atingir, com mais de 25 anos de experiência profissional, imparcial e objectivo, que decidirá em consciência e com base numa análise racional e motivada dos factos e da lei.

Com esta garantia, em abstracto, não parece ser muito útil dramatizar a escolha do juiz – seja quem for que o faça. Dificilmente teremos no resto do tempo das nossas vidas outro processo tão escrutinado como este. A prova recolhida está toda registada e pode ser vista e revista a todo o tempo. O processo está aberto às defesas dos arguidos, que podem agora tomar conhecimento de tudo e apresentar os seus argumentos sem restrição. A imprensa está atenta e seguirá o caso passo a passo. Todas as decisões que o juiz vier a tomar serão fundamentadas e sujeitas ao controlo dos sujeitos do processo e do público. Em condições normais, se a acusação for confirmada pelo tribunal, seguirá para julgamento. Se não for, haverá recurso e um colectivo de juízes do Tribunal da Relação reapreciará e verificará se foi cometido algum erro.

Podemos estar descansados. Com um juiz ou com outro, com mais ou menos incidentes e recursos, com mais ou menos demora, chegará o momento em que se vai fazer justiça. Se houver crime as pessoas serão condenadas. Se não houver serão absolvidas. É nisto que temos de confiar e em que nos devemos todos concentrar.

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