ionline.sapo.ptJoão Lemos Esteves - 18 set. 10:04

Marcelo: o Presidente dos afetos irá à Eurovisão em Israel, contra o antissemitismo?

Marcelo: o Presidente dos afetos irá à Eurovisão em Israel, contra o antissemitismo?

Não deixa de ser uma ironia trágica: Israel é acusado de promover a segregação; mas é o próprio Estado de Israelque é vítima de segregação por parte dos Estados democráticos que supostamente seriam seus aliados

1. O discurso de ódio contra Israel prossegue. O ódio – com tiques autoritários e discriminatórios, com laivos evocadores de um passado do qual a humanidade se deve humildemente penitenciar e (ainda mais) militantemente evitar imitações – já se materializa em atos concretos de discriminação. Discriminação contra o Estado de Israel, enquanto pátria dos judeus, fruto de uma longuíssima batalha histórica por justiça; discriminação contra as pessoas que professam a religião judaica, que renasce um pouco por toda a Europa; discriminação, por fim e não menos preocupante, contra todos aqueles que se recusam a alinhar pelo mesmo diapasão intolerante contra Israel. Para os sacerdotes do politicamente correto, quem não é contra Israel, é a favor dos “perigosos lobistas” judeus israelitas, logo, deve ser excluído do debate público.

2. Este verão assistimos a mais um episódio lamentável: a cantora Lana Del Rey, que até era simpatizante de Israel (que qualificou como um Estado democrático, limitando-se a reconhecer a evidência), manifestou inicialmente a sua firme decisão de participar em festival musical a realizar em Telavive. Face às pressões subsequentes da comunicação social, do seu agente e dos patrocinadores, a cantora norte-americana acabou por cancelar o concerto em Israel. A ameaça de gerar publicidade negativa – pela sua ostracização em alguns meios musicais, mediáticos e em grupos influentes nas redes sociais – que se traduziria em perdas de receitas foi um elemento determinante para recusar participar no referido festival musical. A pressão dos poderes fácticos, da comunicação social e do dinheiro de origem duvidosa de agentes do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) leva a que a prudência e a vontade de não ser excluído do meio social envolvente ditem um propositado isolamento de um Estado democrático.

3. Não deixa de ser uma ironia trágica: Israel é acusado de promover a segregação; mas é o próprio Estado de Israel que é vítima de segregação por parte dos Estados democráticos que supostamente seriam seus aliados. É neste quadro que se impõe que Portugal tenha aqui uma atitude diferente, porque mais digna e conforme à justiça e à paz. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa deverá, neste sentido, aproveitar o discurso que proferirá em Nova Iorque, por ocasião da Assembleia-Geral da ONU, para realçar a prioridade absoluta, que deverá ser partilhada pelos Estados democráticos e por todos aqueles que acreditam na liberdade e na dignidade da pessoa humana como valores cimeiros, do combate firme contra a reemergência do antissemitismo. De nada servirá repetir discursos com fórmulas vagas, exortando à vitória contra “ameaças fantasma” – ignorando o espetro de uma maldição que ciclicamente mancha as páginas do devir político europeu. A maioria dos europeus não toleram qualquer discriminação arbitrária contra os cidadãos independentemente da sua religião. No entanto, a maioria dos europeus tolerariam a prática de atos discriminatórios contra os judeus, até porque os mesmos são legitimados pelo discurso político-mediático europeu.

4. Basta atentar na narrativa que tem sido ventilada pelo inenarrável líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbin: o discurso deste político apresenta semelhanças inacreditáveis com tiradas retóricas de Adolf Hitler, perante a indiferença da comunidade política internacional. E o discurso antissemita do trabalhista britânico tem feito o seu caminho. Culpa das estruturas políticas, que têm uma preocupação seletiva com a prática de atos discriminatórios (as discriminações são más, mas há umas piores que outras) – e das estruturas sociais, que se preocupam muito com a intolerância fantasiosa de Trump, mas se esquecem (voluntariamente) da intolerância e fanatismo real de Jeremy Corbin.

5. Eis, pois, a oportunidade para Portugal se afirmar, mais uma vez na senda internacional, como um país tolerante, empenhado na eliminação de qualquer discurso de ódio. A nossa nação deve ser diferente, porque defensora da dignidade da pessoa humana, independentemente das agendas político-partidárias de alguns partidos que vivem da exploração do medo e do ódio. E quem melhor do que o Presidente dos afetos, Marcelo Rebelo de Sousa, para afirmar uma posição de censura, clara e firme, do crescente discurso antissemita? O Presidente da República já revelou que irá, em Nova Iorque, perante os líderes mundiais, debruçar-se sobre todos os assuntos que ameaçam as democracias em várias latitudes e longitudes – seria, pois, incompreensível que não se referisse expressamente ao imperativo de conter o crescimento do espetro do antissemitismo, especialmente na Europa.

6. Por outro lado, Marcelo prometeu ser o Presidente de todos os portugueses, recuperando a relevância do “espírito religioso” para o discurso político: as deslocações ao estrangeiro do Presidente Marcelo refletem a sua visão de Portugal como “pátria espiritual”, na qual a religião desempenha um papel central. Daí que Marcelo tenha, logo nos primeiros dias da sua Presidência, visitado a Santa Sé. Daí que Marcelo seja porventura o Presidente com mais visitas a Estados (e comunidades religiosas) islâmicos em tão curto espaço de tempo. O que falta? A tão prometida visita a Israel no seu primeiro mandato. Sabemos que há dois assessores de Marcelo que têm persistentemente aconselhado o Presidente que uma eventual deslocação a Israel seria um erro político; o melhor é mesmo não o fazer e evitar sequer referir-se a esse cenário. Marcelo Rebelo de Sousa manterá, não obstante, o espírito ecuménico que sempre professou e não excluirá os nossos compatriotas judeus da sua “política externa” baseada na conceção de Portugal “como pátria espiritual”. Para além de mostrar que Portugal (e o seu Presidente) não discrimina qualquer português com base na sua religião, Marcelo daria um sinal inequívoco da sua oposição ao antissemitismo que começa a corroer, de novo, as sociedades europeias.

7. Mantendo a sua coerência, o Presidente Marcelo poderá visitar Israel no próximo ano – porque não deslocar-se a Jerusalém por altura do Festival da Eurovisão, passando o testemunho da organização deste evento e aproveitando até a natureza inclusiva e de diálogo entre os Estados europeus (lá está, de uma Europa espiritual e não apenas geográfica, como Marcelo tanto defende) própria da Eurovisão?

Escreve à terça-feira

NewsItem [
pubDate=2018-09-18 11:04:47.0
, url=http://ionline.sapo.pt/626330?source=social
, host=ionline.sapo.pt
, wordCount=973
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2018_09_18_2115481204_-marcelo-o-presidente-dos-afetos-ira-a-eurovisao-em-israel-contra-o-antissemitismo-
, topics=[opinião, eurovisão, marcelo rebelo de sousa]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]