www.sabado.ptFlash - 19 jul. 09:30

Pressões há muitas, seus palermas

Pressões há muitas, seus palermas

Esta semana, um ministro angolano referiu movimentações implícitas e explícitas para que o caso de Manuel Vicente fosse enviado para Angola, mas temos que acreditar que há separação de poderes, que os juízes são isentos e independentes e que a chuva não vai dar cabo do Verão

Da próxima vez que participar numa conversa de café, numa conferência ou assistir a um qualquer programa de televisão sobre a Justiça e ouvir alguém dizer "a Justiça é igual para todos", fique a saber que esse é o momento para abandonar a converseta, sair do auditório ou mudar de canal. É certo que, fruto dos vários processos que decorreram nos últimos anos, a actual percepção é que Justiça ataca toda a gente, seja o indigente ou o poderoso. Mas, enquanto não for confirmada como ciência, a percepção é apenas um "achismo" ou pode ser uma daquelas sensações profundas inerentes à condição humana, a confiança. Algo que pode ser perfeitamente manipulável.

Houve, porém, mudanças. Hoje, ter um banqueiro, um magistrado, um polícia ou um antigo primeiro-ministro na cadeia (ainda que preventivamente) já não é, propriamente, uma novidade, mas sim um dia normal de trabalho nos tribunais.

Se há percepções de que tudo corre bem no reino dos tribunais, estas não invalidam outras em sentido contrário. Vejamos: depois de um juiz de instrução e um tribunal colectivo terem declarado que o chamado "caso Manuel Vicente" podia e devia ser julgado em Portugal, eis que um miraculoso acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa apareceu a decidir o contrário, enviando o processo para Angola.

Instantaneamente, as relações diplomáticas entre os dois países normalizaram e da política de "costas voltadas" passou-se ao "abraço fraterno", já que "o irritante", o caso do antigo vice-presidente angolano, como classificou António Costa, deixou de existir.

Esta semana, o ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, deu uma honesta entrevista ao Expresso. Questionado, como seria óbvio, sobre as relações entre Portugal e Angola, o ministro, como está bom de ver, congratulou-se pela melhoria, dizendo até que o facto de, na tomada de posse, João Lourenço não ter referido o nome de Portugal como um dos países estratégicos acabou por "acelerar os esforços para que a situação voltasse ao normal". Em seguida, e esta é a parte honesta, declarou: "Muita gente se movimentou de forma implícita ou explícita, e essa dinâmica culminou com a decisão das autoridades judiciais portuguesas de fazerem o que parecia óbvio."

No tal Estado de direito com a separação de poderes, ninguém de boa-fé acreditará que houve pressões, contactos, telefonemas para os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa. A sua independência e isenção coloca-os acima de qualquer suspeitas. Digamos que a meteorologia irregular ("forma implícita") e um pneu furado ("forma explícita) conduziram à douta e esclarecida decisão de enviar o processo para Angola. Em nome do povo, claro está.

Em matéria de percepções negativas, também ficamos a saber que, uma vez mais, o Tribunal da Relação de Lisboa autorizou a Polícia Judiciária a recolher a facturação detalhada e a localização celular de milhares de telemóveis que foram accionados na noite de 17 para 18 de Outubro na zona da Chamusca, distrito de Santarém. Isto é, se naquela noite andou naquela zona ou pelo Entroncamento, Santarém a fazer sabe-se lá o quê, a polícia vai saber. E tudo porque quer descobrir quem assaltou os paióis do Exército. O juiz de instrução Ivo Rosa ainda tentou travar a iniciativa, não autorizando tal recolha, mas acabou desautorizado pela Relação de Lisboa.

Esta mesma Relação, em Junho de 2016, recusou iniciativa semelhante na sequência de um assalto em Cascais. A PJ e o MP também quiseram aceder aos dados de tráfego de todos os telemóveis accionados na noite do crime. O TRL negou, considerando que isso "seria um verdadeiro arrastão". Já na Chamusca é investigação. Gente fina é outra coisa.

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