expresso.sapo.ptexpresso.sapo.pt - 20 jul. 00:21

Justiça mexicana trava investigação ao desaparecimento de 43 estudantes

Justiça mexicana trava investigação ao desaparecimento de 43 estudantes

“Foi uma decisão política”, critica a Amnistia Internacional, que acusa o Governo de querer esconder a verdade sobre o que aconteceu aos alunos de Ayotzinapa, no sul do México

Os alunos da Escola Básica Rural Raúl Isidro Burgos, em Ayotzinapa, no sul do México, iam participar numa cerimónia na capital. Todos os anos acontecia o mesmo: mandavam parar autocarros e roubavam-nos. Era uma espécie de tradição que já era tolerada pelas companhias de transportes e pelas autoridades.

A determinado momento, enquanto conduziam um dos autocarros roubados, ouviram-se tiros. Estavam a ser perseguidos por carros da polícia. “Vamos matar-vos a todos”, disseram-lhes. Se mataram, ninguém sabe. Aliás, ninguém sabe o que aconteceu a 43 alunos nessa noite. Os acontecimentos ocorreram em setembro de 2014. Passaram quatro anos, houve investigações, detenções e suspeitos. Mas nenhum culpado. Um tribunal mexicano travou, esta quarta-feira, a criação de uma comissão independente para investigar o caso. A Amnistia Internacional condena a decisão.

O Governo arquivou mais de cem moções legais ainda antes dos tribunais, numa tentativa de prevenir o cumprimento legal dos procedimentos. Isto é a prova que se trata de uma decisão política para esconder a verdade por detrás do destino dos 43 estudantes. O Governo tem de parar de se opôr à criação de uma comissão especial de investigação e disponibilizar recursos e esforços para o cumprimento adequado da legislação”, alertou Erika Guevara-Rosas, responsável da Amnistia Internacional na América em comunicado divulgado esta quinta-feira. “O Governo mexicano foi longe demais para impedir a criação da comissão, tal como foi ordenado pelo Tribunal Federal, que considerou ser a única forma de salvar uma investigação cheia de irregularidades e provas manipuladas.”

Uma noite de terror

Quatro anos depois do desaparecimento dos alunos, um Tribunal Federal decidiu criar, em junho, uma Comissão Especial de Verdade, que agora foi travada. Segundo a investigação, citada pela Al-Jazeera, na noite de 26 de setembro de 2014 cerca de cem alunos iam a caminho da Cidade do México para participar numa celebração de homenagem às vítimas do massacre estudantil de 1968. Há muitos anos que o plano era o mesmo: roubar autocarros e usá-los como meio de transporte para chegar ao destino. No regresso, devolviam os veículos. As empresas de transportes aconselhavam os motoristas a permanecerem no autocarro durante o "assalto" para garantirem que no dia seguinte não tinham danos.

Naquela noite, o plano também era este. Já com dois autocarros sob comando, os estudantes pararam num rua da cidade de Iguala – cerca de meio caminho entre Ayotzinapa e a Cidade do México. “Estávamos todos contentes, a divertir-nos, relaxados, na brincadeira com os condutores dos autocarros”, contou um dos alunos, citado pelo “New York Times”.

Queriam ter mais autocarros. E ficaram à espera que algum passasse. Houve um que parou e os alunos entraram e sequestraram-no.

Depois de uma paragem, cinco autocarros seguiram caminhos diferentes: dois dirigiram-se para sul, três para norte. Logo depois, começaram os tiros. Carros da polícia de Iguala perseguiram todos os autocarros e dispararam. Em ambos os percursos, houve violência entre a polícia e os alunos: uns foram atingidos por gás pimenta, outros alvejados, alguns parados e atirados para o meio da estrada. A noite foi de terror.

Um pequeno grupo de alunos que se dirigiu para norte foi supostamente detido e levado pelos agentes para os carros de patrulha. O mesmo aconteceu com outro grupo de estudantes que tinha seguido para sul. Nenhum deles voltou a ser visto. No total, 43 pessoas foram levadas, alegadamente, pela polícia de Iguala.

Nessa noite seis pessoas morreram. Três eram alunos.

Mais de 80 detidos

Desde o começo da investigação já foram detidas 80 pessoas, das quais 44 polícias, incluindo agentes em cargos de chefia. No entanto, ninguém foi acusado. Para o Governo, o caso foi resolvido, mas a falta de respostas concretas tem levado as famílias dos desaparecidos e organizações internacionais a pressionarem e a apelaram à criação de investigações independentes.

As autoridades nacionais também chegaram a ligar a polícia de Iguala a um grupo de narcotraficantes, refere o jornal “The New York Times”. Os estudantes teriam sido levados para um cartel de droga, mortos e os seus corpos queimados. Os restos mortais teriam sido lançados a um rio. A imprensa mexicana refere que, a dado momento, o Governo foi acusado de espiar os familiares dos desaparecidos, assim como os advogados de defesa das famílias.

O desaparecimento dos 43 alunos deu origem a uma contestação nacional, em que os líderes políticos foram acusados de corrupção e foi pedida, também, a demissão do Presidente Enrique Pena Nieto.

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