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Opinião. Ensino superior: uma realidade virtual

Opinião. Ensino superior: uma realidade virtual

As regras sobre progressões não se aplicam à totalidade dos docentes de carreira do ensino superior.

Como é do conhecimento geral, há meses que se debatem regras de "descongelamento" das carreiras da função pública previstas no OE 2018.

De forma absurda e incompreensível, no que diz respeito à carreira docente do ensino superior (ES), ninguém parece muito preocupado com uma das questões mais fundamentais e prévias a qualquer argumentação sobre a matéria: as regras discutidas até à data, sobre progressões, não se aplicam à totalidade dos docentes de carreira do ES.

Acharia normal que os salários de todos os trabalhadores europeus fossem aumentados de acordo com a inflação, com excepção dos portugueses, pois representam apenas 2% dos europeus? Pois é isso precisamente o que se passa na carreira do ES!

Concretizando, a carreira do ES tem três categorias – professor auxiliar, associado e catedrático (ignorando agregações, por simplicidade) – e cada categoria tem quatro escalões. As actuais regras de "descongelamento" aprovadas no OE 2018 implicam a progressão salarial, por subida de escalão, de docentes com avaliações excelentes (se não estiverem já no escalão 4).

Estima-se que entre 3 a 4% dos professores estão numa chamada "posição virtual", ou seja, não estão em nenhum dos quatro escalões que correspondem à sua categoria. É inadmissível que se aprovem leis sobre a carreira docente que não se aplicam a centenas de docentes, e é difícil de entender como é que esta situação escapa ao sábio e criterioso legislador da AR.

Várias universidades e politécnicos já aplicaram as novas regras de progressão salarial. Mas, em relação aos docentes nos "escalões virtuais", as direcções das universidades afirmam que "aguardam explicações do ministério" para saber como proceder (desde o início do ano...!).

E pergunta o leitor, muito a propósito, por que é que existem professores em "posições virtuais"? A explicação é a parte mais original e "divertida" de toda a história: porque eles concorreram entre 2011 e 2018 – e ganharam! – a concursos extremamente exigentes, tipicamente para um único lugar de quadro, escolhidos entre dezenas de outros professores/investigadores nacionais e estrangeiros, por um júri de especialistas internos e externos à instituição, concursos estes consagrados no ECDU como a única forma de subir de categoria.

Mas, em vez do expectável prémio por vencer o concurso, a maioria deles não apenas teve um aumento salarial de zero euros mensais, como ficou colocado numa "posição virtual" (em contraste com a regra anterior a 2011, em que ficaria no índice seguinte na nova categoria). A revogação desta "norma travão" de 2011 representa feijões no OE 2018: certamente menos de um décimo do valor já concedido este ano para as progressões dos restantes docentes do ES.

A terminar, deixo algumas perguntas:

– Que dignidade tem uma carreira em que alguns dos profissionais mais activos têm grande probabilidade de serem os últimos a progredir?

– Que imagem pode ter a sociedade de um mundo académico onde uma avaliação interna, efectuada por colegas da mesma instituição, prevalece face a uma avaliação externa por pares?

– Qual a expectativa de um jovem investigador que pretende seguir a carreira do ES ao descobrir a extraordinária originalidade portuguesa: quando tiver um currículo excepcional corre o risco de – e inventar-se-á uma justificação qualquer para isso; desta vez são feijões, numa próxima oportunidade será a batata ou outro vegetal – ficar esquecido numa realidade virtual?

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