expresso.sapo.ptexpresso.sapo.pt - 24 mai. 17:59

Movimento antifuro de petróleo exige a demissão do ministro do Ambiente

Movimento antifuro de petróleo exige a demissão do ministro do Ambiente

Movimentos ambientalistas manifestaram-se esta quinta-feira à porta do Ministério do Ambiente contra o avanço do furo para pesquisa de petróleo ao largo de Aljezur. Em carta aberta, pedem a cabeça de João Matos Fernandes

Já se adivinhava que o protesto iria subir de tom e subiu. Indignados com a decisão do Ministério do Ambiente de isentar de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) o projeto de prospeção de petróleo ao largo da Costa Vicentina, três dezenas de organizações ambientalistas e de cidadania bateram esta quinta-feira à porta da casa tutelada por João Pedro Matos Fernandes e exigiram a sua demissão, assim como a do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta.

Em causa está a decisão, anunciada a 16 de maio pelo presidente da APA, de que o consórcio Eni/Galp estava dispensado de submeter o projeto de prospeção de petróleo ao largo de Aljezur a processo de AIA, por “não” terem sido “identificados impactos negativos significativos”. A isenção permite ao consórcio avançar com o furo de pesquisa a 46 quilómetros de Aljezur, na chamada Bacia do Alentejo, já em setembro.

Em carta aberta dirigida ao ministro do Ambiente, a que o Expresso teve acesso, os signatários consideram “inadmissível e irresponsável” que Matos Fernandes tenha homologado o parecer da APA, dando luz verde ao Projeto Sondagem de Pesquisa Santola 1X - conhecido como 'furo de Aljezur'.

No mesmo dia em que se conheceu a decisão da APA, o ministro justificou tratar-se de “uma decisão técnica”. A mesma argumentação foi usada pelo primeiro-ministro António Costa. Esta quarta-feira na Assembleia da República, Costa refutou os ataques argumentando que “a decisão da APA deve ser respeitada, assim como as 50 medidas de minimização e de acompanhamento ambiental que foram determinadas”. O chefe do Executivo também fez questão de distinguir “a decisão da APA perante a fase de pesquisa, relativamente à qual dispensou a avaliação de impacto ambiental, de uma eventual situação de exploração para o qual será necessária a avaliação de impacto ambiental”.

O papel do ministro na defesa do Ambiente "foi desvirtuado"

Porém, a argumentação não foi colhida pelos manifestantes integrados nos 30 movimentos que esta quinta-feira bateram à porta da sede do ministério, no número 51 da Rua do Século, em Lisboa. “Somos frontalmente contra a decisão da APA de isentar o furo de prospeção de Aljezur de avaliação de impacto ambiental (AIA). Exigimos responsabilidade política, nas pessoas do ministro do Ambiente e do presidente da APA, e que se averiguem as verdadeiras razões que levaram à não anulação legítima dos contratos para prospeção e produção de petróleo e gás”, afirmam os signatários na carta aberta.

Entre eles estão membros dos movimentos Alentejo Litoral pelo Ambiente, Associação de Surf e Atividades Marítimas do Algarve, Campanha Linha Vermelha, Futuro Limpo, Plataforma Algarve Livre de Petróleo, Preservar Aljezur, Stop Petróleo Vila do Bispo e Tavira em Transição, que por sua vez integram as principais associações ambientalistas nacionais, entre as quais a Zero, a LPN, a SPEA, a Climáximo ou o Geota. Só a Quercus se colocou de fora.

“Consideramos que o seu papel [do ministro do Ambiente] na defesa do ambiente e dos interesses dos cidadãos foi desvirtuado. (...) por isso exigimos que se demita!” − sublinham. Para sustentarem a exigência, lembram que o resultado da consulta pública foi “desconsiderado” pela APA; e que esta entidade e o próprio ministro ignoraram “estudos científicos e casos de estudo que demonstram inequivocamente que há impactos significativos associados à fase de prospeção de um furo petrolífero”; que assim é “defraudada a luta contra as alterações climáticas”; e que “o contrato de prospeção e exploração em questão, assinado com a ENI e a GALP, por José Sócrates e Manuel Pinho (...) é ruinoso para o país, sem quaisquer contrapartidas económicas palpáveis, criando um manto de suspeição sobre a sua celebração”.

No documento, acusam o ministro Matos Fernandes de “recusa em escutar a sociedade civil e defender o Ambiente” e lembram que a contestação à decisão do Governo conta com a posição das cinco maiores associações empresariais do Algarve (CRAL, AHETA, AHISA, CEAL e NERA), assim como de todas as Câmaras Municipais do Algarve e do Sudoeste Alentejano e das respetivas Associações de Municípios.

No comunicado enviado às redações, dando conhecimento da manifestação, sublinhavam que a luz verde dada pelo Governo ao furo de Aljezur “é uma decisão indigna, irresponsável e inadmissível num Estado democrático!”. E que, “em última instância, o que está em causa, para além da defesa do ambiente e de um modelo de desenvolvimento sustentável para Portugal, é a qualidade e o futuro da nossa democracia”.

Cinco elementos representantes do movimento foram recebidos pelo ministro. "A conversa foi dura, mas cordial", diz ao Expresso Rui Hora, representante do grupo Futuro Limpo. "O pedido de demissão do ministro simboliza a exigência que fazemos ao Governo para que mude de política e deixe de ser autista face às manifestações de cidadãos, de autarcas e de organizações empresaria contra o projeto de quererem tornar Portugal uma potência petrolífera". O coreógrafo e bailarino lembra que para que os Estados cumpram o Acordo de Paris, o lema é "manter o petróleo debaixo de terra".

A carta aberta na íntegra

“Exmº sr. Ministro do Ambiente
Dr João Pedro Matos Fernandes

Nós, cidadãos portugueses, apoiados por dezenas de movimentos ambientalistas, de defesa do património natural, e outras associações de vários âmbitos, exigimos que V. Exª apresente a sua demissão do cargo de Ministro do Ambiente do XXI Governo de Portugal.
Mais ainda, exigimos que se demita igualmente o Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Dr. Nuno Lacasta.

Consideramos inadmissível e irresponsável que o Senhor Ministro tenha homologado o parecer que decidiu não submeter à Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) o Projeto Sondagem de Pesquisa Santola 1X, popularmente conhecido como “furo de Aljezur”.

Como será do seu conhecimento e do conhecimento público, a missão da APA, instituição tutelada por V. Exª, é “propor, desenvolver e acompanhar a gestão integrada e participada das políticas de ambiente (...), tendo em vista um elevado nível de proteção e de valorização do ambiente e a prestação de serviços de elevada qualidade aos cidadãos”. Ora, entendemos que a decisão de não sujeição a AIA de um furo prospectivo de petróleo, em mar, a 46 km da costa até 3000 metros de profundidade, não garante a prossecução da sua missão de Ministro do Ambiente. Como tal, exigimos que se demita!

Consideramos que o seu papel na defesa do ambiente e dos interesses dos cidadãos foi desvirtuado. O Ministério a que V.Exª preside presta um serviço público e existe para defender o interesse do Estado que é, por definição, o interesse dos cidadãos. Este serviço público não está a ser prestado, por isso exigimos que se demita!

Não se compreende, e não se pode aceitar passivamente, que uma consulta para auscultação da opinião pública sobre um assunto tão premente e fracturante, que recolheu um número elevadíssimo de contribuições, todas unidas pelo apoio à realização de uma Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), foi totalmente desconsiderada no parecer da APA, transformada em decisão pela injustificável concordância de V EXª. Também por isso exigimos que se demita!

Fizemos chegar a V Exª todas as razões – devidamente apoiadas por estudos científicos e casos de estudo – que demonstram inequivocamente que há impactos significativos associados à fase de prospeção de um furo petrolífero, bem como as razões porque esses impactos devem ser descritos e acautelados. Todas estas razões e provas foram ignoradas. V Exª assinou um parecer que vai, consciente e deliberadamente, contra a opinião unânime dos cidadãos, das associações e Organizações Não Governamentais do Ambiente, mas também contra as recomendações da própria Assembleia da República. O futuro do Algarve e Alentejo Litoral está em perigo e V. Exª, bem como a APA, Instituto Público que tutela, demonstrou que considera que tal não merece sequer uma avaliação séria e estruturada dos riscos inerentes a uma prospeção petrolífera.

Acresce que as cinco maiores associações empresariais da Região uniram-se para condenar a decisão do Governo. ACRAL, AHETA, AHISA, CEAL e NERA - associações de comerciantes, de empresários de turismo e de agricultores. Por último, todas as Câmaras Municipais do Algarve e Sudoeste Alentejano e respectivas Associações de Municípios, manifestaram a sua frontal oposição a este furo em Aljezur. Não se admite que desacredite os processos democráticos, ao desprezar a vontade dos cidadãos e das populações, as recomendações da Assembleia da República e a posição das Autarquias Locais, descuidando o mesmo Ambiente que se comprometeu a proteger. Por isso demita-se!


Como Ministro do Ambiente, V Exª sabe perfeitamente que todos o contratos de prospeção e exploração de petróleo e gás, se apoiam juridicamente num ultrapassado decreto lei109 /94, com quase 25 anos, e que estendia um tapete vermelho às petrolíferas, num momento em que pouco se falava de alterações climáticas. No entanto, nunca pugnou pela alteração desta lei, nem nunca escutou os argumentos, os protestos e as petições da sociedade civil que têm repetidamente exigido o cancelamento destes contratos, protestos estes que originaram 3 providências cautelares e outras ações jurídicas, interpostas por diversos movimentos e associações, designadamente a PALP, a Câmara Municipal de Odemira e a AMAL, Associação de Municípios do Algarve. Pela sua repetida recusa em escutar a sociedade civil e defender o Ambiente, demita-se!

O contrato de prospeção e exploração em questão, assinado com a ENI e a GALP, por José Sócrates e Manuel Pinho, ambos ex-ministros sob investigação pela justiça portuguesa, é um contrato ruinoso para o país, sem quaisquer contrapartidas económicas palpáveis, criando um manto de suspeição sobre a sua celebração. Devido a estas circunstâncias, V. Exª deveria ser a primeira pessoa a pugnar pela transparência de todo este processo e, no entanto, isentou o designado ‘furo de Aljezur’ da Avaliação de Impacto Ambiental que, no mínimo, se impunha.Também pela sua obstinada defesa deste contrato lesivo, exigimos a sua demissão!

Todas estas decisões vêm no seguimento de uma política ambiental que tem, ao longo dos últimos anos, desrespeitado a vontade do povo português e os compromissos internacionais do Estado, algo que V. Exª deveria acautelar, nomeadamente na implementação dos acordos de Paris (COP 21) e Marraquexe (COP 22), assinados pelo Sr. Primeiro Ministro, Dr. António Costa. A exploração de hidrocarbonetos é a maior causa das alterações climáticas, um problema com enormes impactos no nosso país, onde um aquecimento descontrolado torna cada vez mais difícil o combate aos incêndios rurais, promovendo secas persistentes e outros fenómenos climáticos extremos, ao mesmo tempo que ameaça as cidades e infra-estruturas do litoral com uma mais severa erosão costeira, exponenciada pela rápida subida do nível médio do mar, factores que deveriam merecer uma atenção prioritária por parte de um Ministro do Ambiente. Por incumprir na sua missão de defender os que o elegeram, bem como o interesse de todos os portugueses, defraudando a luta contra as alterações ambientais, demita-se!

Os subscritores desta carta têm plena consciência de que a demissão de quem deu o rosto por uma decisão inaceitável deve ser, apenas, o primeiro passo para a alteração do próprio conteúdo da decisão. O que está em causa é a responsabilidade política do Primeiro-Ministro e do Governo no seu conjunto, bem como a própria capacidade do Parlamento controlar a acção do Executivo, garantindo que interesses particulares, por mais poderosos que sejam, não se sobreponham à Constituição, às leis e ao interesse geral.

No furo de Aljezur, em última instância, o que está em causa, para além da defesa do ambiente e de um modelo de desenvolvimento sustentável para Portugal, é a qualidade e o futuro da nossa democracia.”

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