sol.sapo.ptMaria Eugénia Leitão - 23 mai. 12:17

«Antes de criticarem tentem me superar»

«Antes de criticarem tentem me superar»

O autor desta inscrição afirma: «antes de criticarem tentem me superar», num desabafo que, por vezes, todos temos vontade de fazer.

É habitual criticarmos os outros por aquilo que dizem, fazem ou sentem. Muitas vezes, dizemos o que pensamos, sem que no-lo perguntem. Consideramo-nos avalizados para opinar sobre as vidas alheias e julgamo-las em função dos nossos próprios padrões. É natural que assim pensemos, que reflitamos sobre o que faríamos no lugar de outra pessoa. Mas a verdade é que não somos aquela pessoa e, como tal, analisamos a situação a partir dos nossos conhecimentos e das nossas crenças e tomamos decisões com base nestes pressupostos. A outra pessoa age de acordo com aquilo que, a cada momento, lhe parece melhor, ou em função da decisão que entende tomar no momento. Daí que, aos outros, não sirva de muito aquilo que nós pensamos e aquilo que lhes dizemos. Até se costuma dizer, ironicamente, que se os conselhos servissem para alguma coisa, não se davam, vendiam-se! Assim, pois, com Florbela Espanca, dizemos: «Que diga o mundo e a gente o que quiser!». 

No entanto, é claro que as opiniões dos outros também nos ajudam a refletir e a pensar sobre dadas situações. Podem trazer-nos novas perspetivas ou pontos de vista em que nem sequer tínhamos pensado. E este contributo ajuda-nos a ter uma visão mais completa ou, pelo menos, mais vasta sobre as questões, para que, assim, possamos decidir dotados de um maior conhecimento.

E na mesma medida em que uma opinião construtiva pode ser benéfica, uma crítica destrutiva pode acarretar malefícios bem pesados. Dar uma opinião sem medir bem as consequências das nossas palavras, só porque entendemos que temos o direito de partilhar a nossa perspetiva, é uma atitude que pode não ser bem aceite por quem nos ouve. Aquilo que transmitimos como mera opinião pode ser entendido pelo outro como uma crítica. E, na maior parte das vezes, não conseguimos separar uma crítica às nossas opiniões ou ao nosso comportamento de uma crítica a nós mesmos. Na maior parte das vezes, sentimo-nos agredidos no nosso próprio ser e vemos uma crítica genérica como uma crítica pessoal. Se alguém diz que não concorda connosco, é isso mesmo que ouvimos – ouvimos que a pessoa não concorda connosco, com o nosso ser e não com a nossa opinião. Ora, tal atitude não pode deixar de nos magoar. E, por estarmos magoados, reagimos de forma a magoar o outro também…

Seria importante que não personalizássemos tanto aquilo que nos dizem e que não reagíssemos de forma a magoar os outros como retaliação ao que em nós provocaram. Deveríamos ter uma atitude mais descontraída, aceitando as opiniões dos outros tal como aceitamos e defendemos as nossas. Opiniões são opiniões; são reflexões e pensamentos sobre determinados temas. E não passam disso. Não devemos, pois, sobrevalorizá-las. Como diz Ana Bacalhau, em crónica recente: «O valor de uma palavra não está na sua certeza, mas naquilo que ela desperta em nós. Somos nós que as construímos, as palavras que os outros nos dão. O significado e o poder são-lhes dados por nós, que as ouvimos e escolhemos a importância que têm na nossa vida».

Um debate de ideias aporta habitualmente maior luz sobre os temas, por permitir uma maior variedade de perspetivas. Um debate de ideias não é mais do que isso e não deve nunca ser uma luta entre indivíduos que vivem esse momento como uma guerra entre pessoas e não entre ideias. Até porque, como afirma a psicóloga Isabel Leal: «ninguém parece preocupado com o facto de não haver próprio sem haver próximo, e de a construção de uma personalidade ser sempre devedora de outras, antecedentes e contemporâneas».

É por tornarmos tudo demasiado particular que o autor da frase na parede considera que têm de o superar antes de o criticar, pensando que só sendo melhores do que ele é que os outros podem fazer-lhe reparos. E melhor seria que nos preocupássemos mais em nos excedermos e em fazer tudo com mais cuidado e mais qualidade. Como afirma Ricardo Reis: «Sê todo em cada coisa. / Põe quanto és / no mínimo que fazes». Só assim podemos ser consistentes com aquilo que efetivamente somos. E só assim podemos realmente superar-nos. Só assim podemos ser plenos, no presente, com as memórias que fazem de nós o que somos. Pena é que, às vezes, as memórias já não vivam aqui…

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services

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