visao.sapo.ptJosé Carlos de Vasconcelos - 23 mai. 11:32

O peso das sombras

O peso das sombras

Não é justa para Joana Marques Vidal e só a pode prejudicar como procuradora--geral da República a atual espécie de campanha a favor da sua recondução

1 - O Congresso do PS tem na agenda, por via da moção de António Costa, alguns temas de fundo relevantes. Ainda bem. São temas não conjunturais nem polémicos, sobre os quais será fácil obter consensos. E compreende-se que embora muito importantes não estejam em pauta temas quentes e no imediato complexos – das reformas do sistema político à luta contra a corrupção. Isto não exclui, porém, que nele se fale da necessidade de aprofundar o combate à corrupção e de ao serem escolhidos os titulares de cargos públicos ter na devida conta os seus perfis e percursos, mormente as ligações a grandes grupos e interesses, sobretudo económicos. Mais, do Congresso deveria sair uma tomada de posição nesse sentido. Ou pelo menos o secretário-geral tomá-la, com veemência, na sua intervenção de encerramento.

2 - Creio, aliás, que face aos casos de José Sócrates e Manuel Pinho o discurso mais adequado do PS, na boa fase que vive, não é invocar um passado imaculado que não existe, nem nele nem nos outros partidos que foram poder, ou limitar-se a repetir “à Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política”. É vergonhoso insinuar o que quer que seja em relação a membros do Governo de Costa por também o terem sido de Sócrates, ou querer que eles soubessem o que não poderiam saber. E Costa, ele próprio, até como ministro fez o que nenhum outro terá feito contra a corrupção.

Isto dito, todos os que defendem o Estado de Direito sabem como é essencial o que se contém naquele brocardo. Que, no entanto, tem dois sentidos: “à Justiça o que é da Justiça” quer dizer que a política não pode substituir-se à, nem influenciar a, Justiça, que tem de ser independente e soberana na sua área de ação/jurisdição; “à política o que é da política” quer dizer que, sem interferir com a Justiça, os factos e comportamentos nesta apurados e julgados são suscetíveis de – ou mesmo impõem 
– um juízo de valoração política, ou ético/política.

3 - Ainda em sede de Justiça, volta à ribalta a recondução ou não da procuradora-geral da República. Tema ainda fora de prazo, por isso Marcelo ter dito, e bem, semanas atrás, que era um “não assunto”. Porém, após uma interpretação errada e uma declaração infeliz da ministra da Justiça, dirigentes e comentadores afetos à anterior maioria começaram a pugnar pela sua recondução, e a dizer que o Governo a ela se opunha, insinuando às vezes que devido ao processo contra Sócrates.

Há muito conhecendo e respeitando Joana Marques Vidal (JMV) considero lamentável, além do mais, que o nítido objetivo (também?) político dessa espécie de campanha possa levar a identificá-la com o setor político dos que a promovem. O que não é justo para JMV e só pode prejudicar a posição e ação da procuradora-geral – como a prejudicaria por igual se o setor fosse outro. Com o peso destas sombras, valha-nos ao menos a sensatez de Rui Rio ao não se pronunciar a esse respeito, o que levou um jornal com responsabilidades a titular que ele “mantém o tabu” sobre aquela recondução! Tabu? De resto, após Marcelo não ter respondido sim ou não à pergunta, absurda a mais de dois anos de prazo, sobre se iria recandidatar-se, já vi também o título “Presidente mantém o tabu”... Assim vamos.

(Artigo publicado na VISÃO 1315, de 17 de maio de 2018)

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