visao.sapo.ptvisao.sapo.pt - 23 mai. 16:07

Veneza quase não tem lugar para os vivos, mas há espaço para os mortos

Veneza quase não tem lugar para os vivos, mas há espaço para os mortos

Cemitério em Veneza leiloa quatro lugares com vizinhos ilustres, para um contrato de 99 anos, que pode ser renovável, numa exclusiva ilha de Veneza

E se, no pós-vida, passasse a ser vizinho do compositor e pianista e maestro Igor Stravinsky, do poeta Joseph Brodsky ou do pintor Emilio Vedova? É possível, com as licitações a começarem nos 256 mil euros.

No cemitério de San Michele, que passou a ser, em 1837, consequência da ocupação austríaca, o único cemitério possível para a maioria dos habitantes de Veneza, estão a ser leiloados quatro túmulos, que já se encontravam em decadência, de antigas famílias. Neste cemitério judaico que remonta ao século XIV, a maioria dos restos mortais são exumados, cremados ou depositados num ossário no continente após 12 anos. Desde 2011 que também já é possível espalhar as cinzas no rio, se estiver presente um agente de autoridade e se a funerária autorizar. Para as famílias privilegiadas, o aluguer do espaço pode ser por mais tempo.

Em março deste ano, o site da cidade de Veneza anunciava que cinco jazigos com capela estavam a leilão e que o prazo final da oferta seria até dia 29 de junho. As estruturas precisam, no entanto, de algumas obras e, depois, de cuidado contínuo. Em declarações ao The New York Times, Massimiliano De Martin, vereador municipal e responsável pelo planeamento urbano, explicou que em San Michele as capelas precisam "da mesma manutenção que um palácio no centro histórico."

No ano passado, foram leiloadas cinco capelas privadas que estavam abandionadas e o dinheiro será usado para restaurar outras partes antigas do cemitério, que costuma ser exclusivo para os habitantes de Veneza, familiares dos que já lá estão enterrados ou celeberidades ligadas à cidade.

A Capela Salviati, uma das cinco inicialmente disponíveis, já tem dono. Dominique Vacher, um empreendedor francês, adquiriu-a em março ao oferecer 350 mil euros logo no primeiro leilão. Era a que estava em melhores condições devido a uma restauração recente paga pela cidade. Restam as capelas Testolini Quadri, com um preço base de 256 mil euros e Azzano, a partr de 277 mil euros, onde há espaço para dois cadáveres e muitas urnas funerárias para cinzas ou ossos, e ainda Vernier e Olivieri que estão num local diferente do cemitério em relação às anteriores.

Neste momento, a população de Veneza em San Michele é superior à que vive na cidade - 85 mil defuntos comparados com os 56 mil que habitam no centro histórico. Esta situação tem como consequência um abandono do cemitério, deixando-o com necessidades de restauração especializada. As zonas das igrejas protestantes e ortodoxas são as mais populosas de San Michele e ao mesmo tempo, as que mais abandonadas estão. Já no espaço da igreja evangélica, onde os túmulos são responsabilidade da família, estão a ser feitas angariações de fundos na Europa e nos Estados Unidos para ajudar a restauração. A zona católica está a ser restaurada pelo dinheiro angariado nos leilões.

De Martin fala da comunicação feita sobre o leilão, explicando que estão "a promover o leilão em todo o planeta, porque Veneza sempre foi uma cidade aberta ao mundo" e San Michele têm-se tornado um símbolo turístico de interesse da cidade.

"Vê, está a sorrir aqui no cemitério", diz De Martin ao jornalista do The New York Times, "você não morre aqui. Esse é o sentido que queremos dar: que em Veneza ninguém morre. Vive-se para sempre, de outra maneira, mas continua-se a viver."

NewsItem [
pubDate=2018-05-23 17:07:57.0
, url=http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2018-05-23-Veneza-quase-nao-tem-lugar-para-os-vivos-mas-ha-espaco-para-os-mortos
, host=visao.sapo.pt
, wordCount=544
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2018_05_23_1357159244_veneza-quase-nao-tem-lugar-para-os-vivos-mas-ha-espaco-para-os-mortos
, topics=[leilão, vida colectiva / costumes / funeral, saudação, monumentos, sociedade (geral), vida social / política / habitantes, san michele, cemitério, turismo, veneza, sociedade, morte, questões sociais, construção e obras públicas, costumes e tradições, autoridades locais]
, sections=[vida, sociedade, actualidade]
, score=0.000000]