www.jn.ptManuel Serrão - 23 mai. 00:00

O Aves e a vontade de comer

O Aves e a vontade de comer

Juntou-se a fome à vontade de comer. Se a memória não me atraiçoa julgo que nunca usei esta expressão aqui no JN, mas até acho isso estranho, porque é talvez das expressões populares que mais gosto e de que mais vezes me lembro no meu dia a dia.

Se o objetivo fosse recordar aqui vários exemplos práticos que conheço em que se juntou a fome à vontade de comer, não chegariam as páginas deste jornal para todas as de que ainda me lembro. Fico-me só por uma, já anunciada no título e que combina a vitória da equipa de Vila das Aves na Taça e o recém-apresentado Movimento para o Interior. Na verdade, à "fome" de justiça bem expressa nas medidas propostas por este Movimento para o Interior, de que tive conhecimento na passada sexta-feira, veio juntar-se no domingo a "vontade de comer", que foi a vitória do Aves com o clamor de revolta das populações locais que este triunfo propiciou.

Quando a vitória na Taça se consumou, a população de Vila das Aves explodiu de alegria, mas essa explosão, no relvado do Jamor e na terra natal, não apagou a revolta genuína de quem se sentiu maltratado (ou pura e simplesmente não tratado) por quem só cuidou de saber tudo do Sporting e da sua crise. Como se o Aves ou os avenses fossem filhos de um Deus menor! Temos todos de reconhecer que o Sporting, mais do que um vencedor antecipado, foi tratado por toda a gente da Comunicação Social como o único lado da final da Taça com interesse mediático.

No meu caso, ainda tentei esbracejar com o cuidado que era melhor terem com o Aves, como a realidade depois me deu total razão, mas a verdade é que todos os alinhamentos depois do episódio de Alcochete tinham os leões, os seus jogadores, a sua equipa técnica, o seu presidente, os seus outros órgãos sociais e os seus adeptos a encherem todo o tempo disponível.

Fosse o Aves residente num dos lados da Segunda Circular e os seus voos nesta semana teriam seguramente outra projeção. Mas aquilo que mais me impressionou (e para aqui convoco o Movimento para o Interior) foi que esta indignação generalizada não pôs o acento tónico no umbigo, que é como quem diz, nos técnicos, dirigentes e jogadores do Desportivo das Aves. A mensagem da revolta que passou foi a raiva sentida por se ter desperdiçado a oportunidade de pôr esta região no mapa.

É do senso comum que numa final da Taça com o figurino desta, em que os mais fortes regra geral levam o troféu, o que sempre sobra para os mais "pequenos" ganharem é a visibilidade do clube, mas sobretudo das gentes e forças vivas da terra, vila ou cidade do clube com menos recursos.

Como não há tomba-gigantes todos os dias, nem sequer todos os anos, são as reportagens que agigantam as terras e as gentes nos preliminares da final que se tornam um must e uma espécie de réplica verdadeira do troféu. O Movimento para o Interior é isto tudo e muito mais. As suas medidas, mesmo aquelas já baptizadas de radicais, não são mais do que expressões da revolta de muita gente que reivindica justamente a vontade de ter vida para além de Lisboa e Porto e ainda de algumas das suas "parentes finas" do litoral.

Se fôssemos um país a sério, em que a vontade da maioria fosse verdadeiramente tornar Portugal um país mais justo e mais equilibrado, o que estaria hoje no centro da discussão eram essas medidas salutares e bem-intencionadas do Movimento, em vez de passarmos a semana toda a ver quando é que Bruno de Carvalho ganha juízo. Tenho para mim que mesmo aquelas medidas mais polémicas eram capazes de serem provavelmente mais fáceis de acontecer.

EMPRESÁRIO

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