www.jn.ptPedro Ivo Carvalho - 23 mai. 00:02

Isto não é um Porto-Benfica

Isto não é um Porto-Benfica

Ou se é a favor, ou se é contra. Não há meio-termo. Em Portugal, todos os debates se transformam em escravos desta fatalidade. Ou se ama determinada cor, ou se odeia. Ou se é a favor da vida, ou se é a favor da morte. Mas será que, nas questões mais complexas, não podemos ter uma opinião e, ainda assim, titubear com alguns "mas"? Não beneficiamos todos, não aprendemos todos?

Daqui a uma semana, o Parlamento vai discutir quatro projetos de lei sobre a morte medicamente assistida ou a despenalização da eutanásia. Não haverá, na dimensão humana, ética, médica, legal, religiosa e política, tema mais complexo e menos definitivo do que este. Precisamente porque a consciência individual não se esgota na bipolaridade simplista de ser a favor ou contra. De resto, é desejável que, neste particular, possamos ter dúvidas. Abonam a favor da nossa inteligência. Mas o debate já descambou para o Porto-Benfica do costume, a tal ponto que já há quem se socorra, no argumentário antieutanásia, das debilidades do Serviço Nacional de Saúde em matéria de cuidados paliativos como forma de colar os defensores desta prática clínica a uma espécie de solução "aniquiladora" que acabaria com a falta de camas nos hospitais para os doentes em fim de vida. É, convenhamos, uma lógica rebuscada, torpe e pouco séria.

Apesar de a despenalização da eutanásia ter regressado à arena mediática há mais ou menos dois anos - quando da criação de uma associação direito a morrer, e após se ter gorado, em 2008, a tentativa de a legalizar - existe a convicção de que os portugueses não estarão suficientemente informados sobre todas as dimensões do debate. Ainda que, naturalmente, possam ter ideais formados e um sentido de "voto" alinhado. Ora, decorre daqui a necessidade de os partidos serem, por isso, mais esclarecedores e menos manipuladores. De patrocinarem uma discussão sóbria sobre um tema que, no âmago, e malgrado o relevante enquadramento legal e médico, se debruça sobre o entendimento que cada um de nós tem do conceito de dignidade. E do papel que o Estado e um juiz podem e devem ter nessa esfera tão íntima.

Pessoalmente, apenas consigo conceber a vida com dignidade e sem sofrimento. Como tão bem sintetizou ontem, no fórum da TSF, Júlio Machado Vaz, do movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida, "devemos ter o direito de perguntar "eu estou meramente vivo"", no sentido em que os órgãos vitais estão a funcionar, "ou tenho uma vida, de acordo com os meus padrões de dignidade? Se a resposta for não, acho que as pessoas têm o direito de dizer "para mim basta"".

Admito que ele e eu possamos estar errados. Admito que haja quem não olhe para esta como a última liberdade a que um ser humano adulto e na posse das suas faculdades se pode permitir. O que não me parece admissível é que não se debata com elevação, serenidade e sentido pedagógico. A vida e a morte não são um Porto-Benfica.

SUBDIRETOR

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