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Opinião. Investimentos em infraestruturas e descarbonização

Opinião. Investimentos em infraestruturas e descarbonização

É de extrema importância identificar o impacto dos investimentos em infraestruturas nas emissões de CO2 no país.

A necessidade de encontrar políticas que promovam o crescimento a longo prazo num quadro de orçamentos públicos frágeis é generalizada e o papel dos investimentos em infraestruturas é algo que nesta busca é cada vez mais reconhecido. De facto, entre as organizações internacionais, desde o Banco Mundial e o FMI, à OCDE e ao BCE, houve, nos últimos anos, uma notável renovação de interesse nestas questões.

Em Portugal, nos últimos dez anos, o investimento público em infraestruturas registou uma quebra muito significativa, seguindo ao longo de toda a década uma tendência decrescente. Parece, contudo, que os ventos começam a mudar. Uma clara melhoria da situação orçamental do país, ainda que não uma recuperação completa das nossas finanças públicas, permitiu ao Governo a oportunidade de voltar a dar atenção a este tipo de investimento. De facto, o Orçamento do Estado para 2018 contempla nestas matérias um compromisso muito substancial que representa um crescimento de quase 40% em relação a 2017 — ano em que, aliás, já houve alguma recuperação. Uma das áreas por excelência contempladas no OE para 2018 são as infraestruturas de saúde, em que se projecta o início de um novo ciclo de investimentos. Uma outra área também aqui privilegiada são os investimentos na rede ferroviária, num novo esforço de modernização.

Por seu lado, as emissões de gases de efeito de estufa, como CO2, e as alterações climáticas estão no centro das preocupações políticas e objetivos da União Europeia e, como tal, todos os países europeus precisam lidar, embora com graus diferentes, com essas questões. Além disso, há um crescente coro de vozes institucionais instando os diferentes países a adotar e/ou alargar impostos verdes. Portugal, juntamente com outros Estados-membros da União Europeia, estabeleceu um programa ambicioso para 2030 para reduzir as emissões em 40% em relação aos níveis verificados em 1990. Nos últimos anos, os alvos só se tornaram mais ambiciosos. De facto, o Governo português anunciou recentemente objectivos de neutralidade carbónica para 2050 e introduziu medidas penalizadoras do uso de combustíveis fósseis, nomeadamente sobre o uso de carvão na produção de electricidade.

Neste contexto, é de extrema importância identificar o impacto dos investimentos em infraestruturas nas emissões de CO2 no país, não só para ajudar a entender onde estamos, mas também e, principalmente, para poder desenvolver políticas de investimentos em infraestruturas em áreas críticas como transportes e infraestruturas sociais que sejam amigas do meio ambiente.

Num recente trabalho de investigação [1], abordo esta questão com o meu colaborador Rui Pereira. Neste trabalho, procuramos identificar como os investimentos em diferentes tipos de infraestruturas — rodoviárias, ferroviárias, portuárias e aeroportuárias, bem como em infraestruturas sociais de educação e saúde — afectam as emissões de CO2 pela indústria e pelo sector energético em Portugal. Utilizamos a evidência empírica sobre os efeitos económicos sectoriais destes investimentos em infraestruturas considerando 22 indústrias, abrangendo todo o espectro de actividade económica no país. Por sua vez, os efeitos económicos estimados são traduzidos em alterações nas emissões usando factores de emissão de CO2 específicos do sector. Buscamos estabelecer se e em que condições os investimentos em infraestruturas poderão contribuir para a redução das emissões de CO2.

As nossas principais conclusões podem ser resumidas da seguinte forma. Dadas as actuais intensidades de emissões dos diferentes sectores, a maior parte dos investimentos em infraestruturas ajudam a reduzir a intensidade média das emissões de CO2 na economia. Somente para investimentos em aeroportos e instalações de saúde não encontramos efeitos tão positivos. O investimento nos aeroportos tem um efeito adverso nas emissões, enquanto os investimentos em infraestruturas de saúde deixam a intensidade das emissões essencialmente inalterada. Por outro lado, e num cenário alternativo em que as emissões da indústria de energia elétrica foram completamente eliminadas por uma transição para a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, continuamos a observar que a maioria dos investimentos em infraestruturas ajudam com a intensidade das emissões de CO2 da economia. Neste caso, no entanto, os investimentos em infraestruturas de saúde têm efeitos marginalmente adversos nas emissões.

Existem várias implicações gerais de politica económica destes resultados. Considerem-se estratégias de investimento em infraestruturas de transporte. Dada a actual estrutura de produção de energia eléctrica, o investimento em estradas nacionais é bom de uma perspectiva ambiental, enquanto investimentos em infraestruturas aeroportuárias não o são. Os investimentos em estradas municipais, ferrovias e portos são igualmente bons, embora não reduzam as emissões em termos absolutos, mas apenas a intensidade média das emissões em toda a economia.

Uma recomendação completamente diferente, contudo, aplicar-se-ia num cenário de uso agressivo de fontes de energia renováveis na produção de eletricidade. Neste caso, os melhores investimentos que realmente reduziriam as emissões seriam nas ferrovias e aeroportos, dois sectores altamente dependentes da eletricidade. Os investimentos em rodovias e portos também são desejáveis na medida em que reduzem ou deixam inalterada a intensidade média das emissões.

Considere-se agora o caso de investimentos em infraestruturas sociais. Os investimentos em educação são sempre vantajosos da perspectiva das emissões de CO2, embora mais no caso da manutenção dos padrões actuais de produção de eletricidade. Para os investimentos em infraestruturas de saúde, que têm um efeito económico relativamente grande em sectores industriais não energéticos intensivos em emissões, uma descarbonização completa da produção de eletricidade tornaria esses investimentos menos desejáveis em termos do seu impacto na intensidade das emissões de CO2 na economia em geral.

Em termos dos esforços actuais, quer em termos de investimentos em infraestruturas, quer no sentido da descarbonização, as implicações são claras. Em primeiro lugar existem sinergias importantes entre as duas áreas que não podem nem devem ser ignoradas. Claramente os efeitos ambientais dos esforços nas áreas de infraestruturas dependem em muito dos sucessos que se verifiquem, por exemplo, na descarbonização da produção de electricidade. Assim sendo, deve-se reconhecer a virtuosidade dos esforços do Governo nestas duas áreas e apelar a uma maior interacção entre as duas esferas de decisão política. Em segundo lugar, os esforços actuais em termos de investimentos em infraestruturas ferroviárias têm indiscutivelmente grandes virtuosidades em termos ambientais. Já o caso dos investimentos em infraestruturas de saúde é mais complexo e tem resultados menos óbvios. Neste sentido, os esforços do Governo nestas matérias também têm de ser reconhecidos, mas com o alerta de que os efeitos ambientais dos investimentos em infraestruturas de saúde terão de ser levados em conta, algo que não parece ser de momento o caso.

[1] On the Effects of Infrastructure Investments on Industrial CO2 Emissions in Portugal (em co-autoria com Rui Pereira)

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

CIDADANIA SOCIAL – Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais – www.cidadaniasocial.pt

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