observador.ptAlexandre Homem Cristo - 19 mar. 07:10

Danos auto-infligidos

Danos auto-infligidos

Rui Rio demorou a perceber o óbvio: ele não é credível enquanto líder que apela à ética na política se, nos bastidores partidários, escolhe (e defende) Feliciano Barreiras Duarte para a sua equipa.

Feliciano Barreiras Duarte demitiu-se. Finalmente. Mas, antes de suspirar de alívio, seria conveniente que Rui Rio entendesse que Barreiras Duarte não era a causa dos seus problemas – era uma consequência dos seus problemas. Quais? Primeiro, a sua desconfiança obsessiva face à comunicação social. Segundo, a dependência que demonstrou face ao aparelho do PSD que o elegeu e que o tornou incapaz de agir contra elementos a sua direcção. Estes dois problemas não desaparecem com a saída de Barreiras Duarte. E, como se viu, da sua combinação resulta dinamite.

Em relação ao problema com a comunicação social, há episódios que falam por si. Como este: Rui Rio deu uma primeira entrevista à RTP2 – canal de serviço público que tem uma média de telespectadores inferior ao número de eleitores do PAN. E, portanto, a entrevista passou completamente despercebida e só não foi totalmente ignorada porque, na imprensa, se informou que tal emissão existiu. É uma opção estratégica insólita, mas é igualmente coerente com o comportamento de Rui Rio desde que venceu as directas no PSD: aparecer quando absolutamente necessário, desaparecer sempre que possível. O que é inquietante para um partido na oposição e necessitado de convencer eleitores da sua alternativa política: dois meses após ganhar as eleições directas do PSD, Rio deliberadamente adiou o anúncio de qualquer proposta concreta, ainda não tentou marcar a agenda política, ainda não procurou afirmar-se como líder da oposição – para desespero dos seus aliados. Um vazio que foi preenchido com polémicas de elementos da sua direcção. Portanto, o balanço do mês é fácil de fazer: as únicas notícias que se lêem sobre o PSD são negativas. E, já se sabe, não existem duas oportunidades para causar uma primeira boa impressão.

O segundo problema é simples de resumir: Rui Rio escolheu mal os membros da sua direcção política e, mais grave, depositou neles a sua afirmação no aparelho do PSD. Ou seja, ficou dependente de figuras como Salvador Malheiro e Feliciano Barreiras Duarte – e, portanto, atou as suas próprias mãos quando o bom-senso recomendou as suas dispensas. Por isso, vê-se hoje forçado a ignorar o caciquismo de Salvador Malheiro e a investigação à gestão de Elina Fraga na Ordem dos Advogados. Por isso, tolerou até para lá do limite a situação insustentável de Feliciano Barreiras Duarte, quando os holofotes já estavam todos focados no seu currículo falseado, num relatório de mestrado comprometedor e nos abusos em ajudas de custo enquanto deputado. Por isso, confrontado com os factos, encontrou sempre explicações atabalhoadas. Rio quis convencer que as críticas tinham a ver com a sua posição de desalinhamento com as “cortes lisboetas” – o que soa a teoria da conspiração. Sugeriu que tudo tinha origem em golpes internos, combinados e aplicados por quem no PSD pretende minar a sua liderança – o que, sendo ou não verdade, não retira gravidade aos factos conhecidos. Alegou que ser arguido não é o mesmo do que ser culpado – e tem razão, embora a ética na política não se possa confundir com sentenças de tribunal. E desvalorizou polémicas dizendo, por exemplo, que o currículo de Barreiras Duarte tinha uma imprecisão que foi corrigida – e assim minimizou um caso que aparenta ser de fraude académica.

Ou seja, vendo-se de mãos atadas, Rui Rio pôde tentar argumentar isso tudo, mas não pôde escapar ao óbvio: ele não é credível enquanto líder que apela à ética na política se, nos bastidores partidários, escolhe (e defende) Feliciano Barreiras Duarte para a sua equipa. São posições incompatíveis.

Rui Rio demorou tanto a aceitar essa incompatibilidade, que abriu feridas profundas na sua imagem externa. Desde logo, aniquilou o seu maior trunfo político (um discurso ético e moralizante da actividade política), porque promoveu e tolerou quem violou esses valores éticos. E, depois, Rui Rio mostrou o quão está dependente dos apoios partidários que tem (o preço a pagar pela vitória nas internas do PSD), e como isso tem o potencial de lhe trazer dores de cabeça futuras. Sim, Rui Rio diz ter muitos inimigos. Possivelmente, tê-los-á. Mas, se quiser tirar uma lição principal deste primeiro mês na liderança do PSD, que seja esta: dificilmente algum dos seus inimigos lhe causará tanto dano como aquele que, nestes dias, infligiu a si próprio.

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