www.jornaleconomico.sapo.ptJoão Abel de Freitas - 19 mar. 00:07

Armas novas… que esta Europa tende a desaparecer

Armas novas… que esta Europa tende a desaparecer

Só há uma saída. Mudanças estruturais de fundo na Europa que sirvam as populações dos diferentes países, a começar pela Zona Euro, o que implica um BCE a sério.

A Europa numa deriva política de extrema-direita vai fazer implodir a actual Europa, que se arrasta, titubeante e sem projecto a todos os níveis: humano, político, económico e social.

Para escapar a este drama tem a Europa de pensar numa refundação em novos moldes e objectivos. Não é com pequenos arranjinhos políticos que se ultrapassa esta grave situação de deriva. Não é com cartinhas dos senhores comissários aos países membros, como a que enviou agora a Portugal para marcar o ponto, com banalidades repetitivas e ainda na linha da política de austeridade, que se constrói uma alternativa de Europa de combate à deriva de extrema-direita.

Ou então, se nada for feito, pode surgir/erguer-se uma alternativa radical: a institucionalização da deriva, ou seja, a tomada política da Europa pela extrema-direita. Nada que a história europeia desconheça e para o que deveríamos todos estar bem atentos.

Enquanto foram países como a Eslováquia, a Hungria, a Polónia e a República Checa – países relativamente jovens no seio da EU e de pequena dimensão se exceptuarmos a Polónia – a pisar o risco em termos de princípios e valores da construção da Europa, os Órgãos de Gestão comunitária assobiaram para o lado, desrespeitando os valores fundacionais.

Nestes países, deu-se uma deriva política significativa para a extrema-direita com alguns apoios externos contraditórios é certo. A esta deriva, com constrangimentos fortes no exercício da vivência em sociedade, com repercussões nefastas na liberdade de comunicação social, no acolhimento aos refugiados, entre outras, a UE fez ouvidos moucos.

De qualquer modo, estas movimentações foram criando mossa, instabilidade, choques entre países membros, o desinteresse dos cidadãos pela construção da Europa, mas sobretudo têm dado força às forças populistas em construção que se espalham agora cada vez mais por toda a UE.

Numa aplicação séria e rigorosa das regras e valores comunitários, alguns daqueles países, senão todos, já deviam ter sido ou obrigados a recuar com tais procedimentos ou suspensos ou expulsos da União, pelo seu desrespeito sistemático dos valores de conduta política da UE.

O que se viu de dureza com a Grécia para a vergar, quando o Syriza chegou ao poder, o que conseguiram e, agora nada, só punhos de renda, escapando um ou outro ralhete pouco convincente. E, no caso da Grécia, a ameaça de expulsão estava sempre na linha da frente, embora não houvesse nenhum desrespeito de valores, mas pura e simplesmente uma tentativa de renegociação das condições hostis acordadas com governos anteriores e que prejudicavam a vida do povo grego.

Qualquer ideia que o governo grego avançasse que não fosse o “ámen” às propostas de Bruxelas, lá estava o dedo em riste do senhor Schäuble ou do ministro holandês das Finanças, seu fiel seguidor, e a ameaça de empurrar a Grécia pela porta fora.

Com o Brexit a situação mudou de figura, embora, pensando bem, a Inglaterra nunca tenha estado verdadeiramente na UE. Foi sempre solicitando e conseguindo as derrogações que lhe eram convenientes. Esteve na Europa a meio gás. No entanto, agora está de saída. E foi necessário “desenhar” um processo de negociação para essa saída que está a dar água pela barba, com a Inglaterra a querer ficar com a parte melhor do lombo, embora Theresa May se encontre em dificuldades.

Contudo, nada nos garante que a Inglaterra não venha a conseguir, não direi toda a parte boa do lombo, mas pelo menos uma parte substancial e, se o conseguir, será em detrimento dos países da UE. Mas, nesta Europa sem rumo, com a extrema-direita a ganhar peso relativo em diversos países como França, Alemanha, Holanda, Áustria, e até na Grécia, chegou a vez da Itália.

A Itália

Aqui a situação é bem mais complexa. A Itália é um dos seis países fundadores da UE. A terceira maior economia (não contando com a Inglaterra que, de facto, já não é e nunca foi de corpo inteiro).

Face aos resultados eleitorais recentes ou toma conta de Itália uma agremiação da extrema-direita com Salvini, o líder da Liga Norte, um partido anti-Europa, anti-emigrantes, como primeiro- inistro, ou então uma outra agremiação, o Cinco Estrelas, populista por natureza e uma nebulosa política de objectivos indeterminados. Neste caso, Luigi di Maio assumiria o cargo de primeiro-ministro. Esta agremiação é também anti-Europa, apesar de, durante a campanha, ter burilado um pouco a linguagem nesta matéria. Mas até já se ouve o líder da Liga Norte admitir constituir governo com o Cinco Estrelas.

Face a esta miscelânea, a situação desta Europa frágil, sem consistência, complicou-se, balança. E só há uma saída, uma resposta. Mudanças estruturais de fundo na Europa que sirvam as populações dos diferentes países. Desde logo, reformas na Zona Euro que levem a um sistema financeiro robusto, implicando um BCE a sério. Um orçamento europeu também a sério e o lançamento de um processo de desenvolvimento que conduza a uma convergência económica efectiva entre países.

A Europa está em mudança a nível da arrumação das forças políticas. As forças tradicionais desfazem-se por todos os lados, exactamente porque os cidadãos estão descontentes com a sua gestão política e apostam em novos modelos. Estão a aparecer novos movimentos, uns que respeitam os princípios e os valores fundadores, outros claramente numa deriva de extrema-direita populista, aproveitando o profundo descontentamento reinante.

Se a União não souber tirar as devidas conclusões é uma questão de tempo. É a desagregação.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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