Quem não viu o filme brasileiro Tropa de Elite 2 como quer perceber o noticiário? Às vezes, a realidade, só mesmo pela ficção. Há dias, Marielle foi morta com três tiros na cara mas não por ser negra, favelada e lésbica. O motorista era branco e hetero, foi morto por ir com ela, mas a ela, Marielle, mataram-na por razões que Tropa de Elite 2 explica. O filme mais visto de sempre no Brasil é sobre favelas do Rio, milícias dos gangues e polícias corruptos. Tudo contado no patamar devido, na política!, onde a segurança das cidades deve ser tratada. O segundo personagem do filme, o político Fraga, foi inspirado no personagem real Marcelo Freixo, o deputado estadual mais votado do Brasil, ativista contra a violência nas favelas e o conluio entre gangues, polícias e políticos corruptos. Branco, heterossexual e não favelado, Marcelo Freixo também já poderia ter sido assassinado só porque vive no Rio. Mas a perspetiva maior não é a do acaso: é ele ser executado como, agora, a sua camarada Marielle Franco, companheira do mesmo partido, o PSOL. Há tempos ele teve de se exilar em Madrid. No Rio pode, é verdade, morrer-se por se ser favelado, negro e homossexual, e talvez em percentagem maior do que os ricos, brancos e hetero. Mas Marielle foi morta por combater a política da violência e Freixo está bem encaminhado (apesar dos guarda-costas com que anda) para ter o mesmo fim. Quando há gente executada por ter uma política contra uma injustiça, do que urge falar é da mais ampla frente que una a gente contra essa injustiça. O vidro do carro onde ia Marielle era fumado. Acreditem, o que sabiam os assassinos era o mesmo que eu, lá dentro ia o mais belo, franco e corajoso sorriso que vi ultimamente. Para eles chegou; para mim, também. Que tempos estes em que chefes da droga e políticos corruptos se unem, enquanto gente justa faz questão de sublinhar os seus quintais e identidades.