www.sabado.ptFlash - 18 mar. 05:00

Sem tempo para crescer

Sem tempo para crescer

O CDS/PP arrumou a casa e proclamou uma espécie de “sonho”. Falta agora lidar com a realidade. Esta diz que há um pequeno partido a precisar de crescer, mas que luta contra o tempo. E contra o PSD

O CDS sempre teve um problema: não a "esquerda", mas o PSD.
A "esquerda" zomba com o discurso "extraterrestre" do PP. Nunca se converterá a ele. É uma loja que vende para fregueses diferentes, estabeleceu -se num negócio diferente, com produtos diferentes, num País diferente.

Já o PSD, pior do que inimigo, é irmão. Ou primo. Em todo o caso, rival. Um irmão mais velho e mais forte, que sempre fez sombra aos democratas-cristãos, e os traumatizou.
O CDS nasceu como partido de quadros que se dizia o único "não-socialista", a seguir a Abril. O PSD era o partido "reunião", com ambição de partido de massas, também nessa área fluida: no fundo, o que é "não ser socialista"?

O PSD declarou-se interclassista, pragmático e "integrador". Disputava não só o eleitorado "de direita", mas também o do "centro" e o da "esquerda moderada".
Sempre que o CDS subia, o PPD descia. E vice-versa.
A Aliança Democrática (AD) foi o reconhecimento, por Sá Carneiro, de que o CDS existia, e podia até ser condómino no governo.

Quanto ao cavaquismo, quase extinguiu o CDS. Declarando encerrado o ciclo da (in)definição "esquerda-direita", Cavaco ousou falar para todos.
Passos voltou a um tipo de AD. Nela, o CDS era, claro, a muleta do PSD. Mas só usa muleta alguém que se reconhece como diminuído.

Agora é a incerteza. O CDS é também PP, o PPD é também PSD. Para já, os dois vogam entre o populismo e a sua rejeição. A seguir logo se vê.
Sabem que os partidos, em geral, possuem má reputação entre o povo.
Piscam o olho a independentes, e às pessoas que não necessitam da "política".
São do sistema, mas contra "o que está".

Unem-se numa ideia: as boas notícias na economia são uma mera consequência da gestão Passos/Portas. Se não houvesse "geringonça", seriam eles a anunciar o fim da crise.
Um, a crer nas sondagens, tem cerca de 27%, o outro, 5,4%. Juntos, muito abaixo do resultado de 2015, quando a vida era mais difícil.

O novo PSD acha que não precisa de entrar na base social de apoio do CDS: criará a sua, como sempre.
O novo CDS, exultante pós-congresso, tem a certeza de que roubará votos ao PSD, por toda a parte.
Tem algumas razões para isso. Depois de provar que não era uma mera criatura de Portas, Assunção Cristas ganhou.

Triunfou em Lisboa (à frente do Bloco) devido à cegueira do PSD, e à garra própria.
Triunfou no parlamento, onde o CDS, e não o PSD, parece conduzir a oposição à "geringonça".
Triunfa no campo das ideias, ao andar sempre um passo à frente do PPD, em matéria de "alternativa".
O CDS quer provar, após o congresso, que acabou a sua transição, enquanto a do PSD só agora começa.
E a transição "laranja" pode ser problemática. Houve diversos líderes intercalares no PPD/PSD. De todos eles, só Durão e Balsemão foram chefes de governo.

O CDS espera assim secretamente que Rio seja mais Marques Mendes do que Barroso.
Por fim, ao criar uma nova oficina de invenções, doutrinais e práticas, o CDS não quer apenas ser a fábrica ideológica do Pai Natal, no Pólo Norte. Volta sim a jogar na antecipação: pressente no PSD a querela, a ronceirice, o tempo descomunal que leva um porta-aviões a mudar de rumo, os menos de 30% de voto em Negrão.

Mais ligeiro, mais flexível, o CDS/PP joga no timing. Até porque só há um ano para crescer. Mas raciocina: se teve quase 9% em Lisboa, quartel -general "internacionalista" por excelência, porque não há-de ter mais no Portugal profundo, entranhadamente nacional?
Rui Rio não quer a "direita"? O CDS quer.

Rui Rio é do "centro-esquerda"? Então o CDS quer a outra metade da coisa. E até mais.
Não são assim só o PSD e o PS que disputam o "centro". O CDS declara -se também candidato. Parece ambição desmedida, mas a verdade é que o pequeno partido cheira o possível sangue no campo do PSD.
Claro que pode estar enganado. E o sangue irmão pode não ser sinal de morte, mas de renovação.
Há assim uma grande dose de risco na estratégia de Cristas.
Mas "risco" é o outro nome da política.  

Não me mace com pormenores
"Quero lá saber da interferência nas eleições americanas", diz Putin, em ar de gozo, à inefável Megyn Kelly. Na sua tese divertida, os ciberconspiradores indiciados podem ter até "nomes que parecem russos", mas se calhar são só gente com autorização de residência e trabalho: "Judeus, tártaros, ucranianos, sei lá?"

Isto fica, claro, na senda das afirmações sobre as armas invencíveis, a nostalgia pela URSS (mas não pelo "comunismo" e pelo "regime de servidão" em que viveram os seus pais) e outra doutrina de uma nação protegida por Deus e pelos blindados.

A 18, Putin ganha por maioria absoluta, e evita a segunda volta. Esta dar-se-ia no Primeiro de Abril. Quem acreditaria no resultado?  

Mahatma Trump
Yeogsaui gasoghwa, em coreano, significa "aceleração da história". Su Hoon, o chefe da "secreta" de Seul, chegou a Washington com uma mensagem desse tipo: depois de quatro horas de reunião, Kim Jong-un convidou Trump para uma cimeira a dois. Sem condições.

Claro que o Norte quer o fim de certas armas na península, o fim das sanções, o fim de manobras militares entre o Sul e os EUA, e um tratado de paz. Os americanos desejam "só" acabar com o programa atómico de Kim, a exemplo do tratado iraniano.
Se (grande "se") conseguir um acordo, Trump dirá que só a ameaça da força transforma os falcões em pombas.
E passa de dr. Strangelove a Gandhi, para os estarolas que já viam o fim do mundo. 

Ausências e presenças
Há desaparecimentos misteriosos. A Morte de Estaline devia estrear entre nós a 25 de Março, mas não vejo a confirmação. Se não for exibido, voltamos à carga. Mas com mais força.

Last Days in the Desert, sobre as tentações de Jesus na aridez da Judeia, lançado em 2016, ficou no esquecimento. Grande filme de Rodrigo García, com um enorme Ewan McGregor, fora de modas, onde está?

Felizmente, teremos em breve Hostis, de Scott Cooper, sublime olhar sobre as guerras índias, e o Capitão, de Robert Schwentke, relato perturbante de um episódio ambíguo, no fim do III Reich.

E dia 22 de Março, claro, Bob Dylan (na foto) em Lisboa. Não há decadência que mate um rebelde politicamente incorrigível.

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