www.publico.ptteresa.de.sousa@publico.pt - 18 mar. 08:40

Opinião. Vêm aí tempos (ainda mais) difíceis para a Europa

Opinião. Vêm aí tempos (ainda mais) difíceis para a Europa

A sobrevivência da Europa, tal como a desejamos, num mundo em sobressalto total e sem a liderança americana, está longe de estar garantida.

1. Na sexta-feira passada, aconteceu finalmente aquilo que os governos europeus estavam à espera há quase seis meses. Empossada no Bundestag pela quarta vez como chanceler da Alemanha, o primeiro acto de Merkel foi viajar até Paris para um encontro de trabalho com o Presidente francês. Há seis meses, já não era fácil para ambos encontrar um compromisso razoável para concluir a reforma da zona euro. Mas a Alemanha olhava ainda para a eleição de Macron como a grande oportunidade de a Europa poder avançar em todos os domínios da sua integração - do euro à defesa, passando pela imigração e pela melhoria da sua capacidade competitiva à escala global.

O resultado das eleições de 24 de Setembro acabou por demonstrar que o contágio do populismo e o enfraquecimento dos partidos europeus não parava na fronteira alemã. O resultado foi uma longa espera, única na história da RFA, para que a chanceler, bastante enfraquecida, conseguisse negociar uma coligação capaz de governar Berlim com o mínimo de estabilidade. O problema é que não é exactamente a mesma Merkel que vai liderar a Alemanha. O SPD votou a favor da” grande coligação” por uma margem razoável, mas não eliminou os contestatários, que vai ter de satisfazer. Mais importante ainda, a CDU olha hoje para ela como uma líder já no seu ocaso, abrindo espaço para a afirmação de vozes mais jovens, mais à direita e um pouco menos europeias. A sua primeira função é reconquistar a autoridade interna que perdeu nestes longos meses. E não vale a pena subestimá-la. Basta ver a rapidez com que, na sexta-feira, desautorizou o líder bávaro da CSU, Horst Seehofer, a quem entregou o ministério do Interior e da Pátria (uma novidade), quando resolveu dizer que os islâmicos não têm lugar na Alemanha. Obviamente que têm, mandou dizer a chanceler. Não se sabe ainda muita coisa sobre o seu encontro com Macron em Paris. Já se sabe, no entanto, uma coisa. Os dois líderes tinham-se comprometido a apresentar um “road map” para a reforma do euro na cimeira europeia de 22 e 23 de Março. Já o adiaram para Junho.

2. Merkel gostaria mais de ver no topo da agenda europeia a imigração e a defesa e, mais recentemente, o comércio, graças às primeiras medidas proteccionistas de Trump. Macron insiste em que há ainda muita coisa a fazer para que o euro possa estar preparado para novas crises, evitando o risco de colapso que a Europa correu nos últimos anos. Os países do Sul estão com ele. Os do Norte nem sequer se interessam pelo assunto, mergulhados numa fase mais eurocéptica do que o costume, porventura por causa da imigração. O Presidente francês pode ceder nalgumas das suas propostas, mas as reformas que está a fazer em França têm de ter como compartida o reforço da zona euro, para provar aos franceses que a sua agenda interna vale a pena.

No seu discurso de Estrasburgo sobre o futuro da Europa, o primeiro-ministro português já incluía nas entrelinhas esta preocupação. Por isso insistiu tanto em que adiar as reformas apenas as tornaria mais difíceis. Costa sabe que há agora uma oportunidade, talvez única, quando o clima europeu é mais ameno. Como ele próprio disse, a economia está a crescer bem e o "Brexit" não dividiu a Europa. Tal como Macron, quer uma união monetária que seja também económica, capaz de beneficiar todos e não apenas alguns, permitindo a convergência real das suas economias. Lembrou também que não há uniões monetárias maduras sem um orçamento capaz de gerir crises e sustentar reformas. Convém, pois, que a chanceler perceba que o euro se transformou na pedra angular da integração europeia, e que isso exige todos os esforços possíveis para a sua sustentabilidade. E que há ainda muito trabalho a fazer. Um exemplo. A União Bancária, fundamental para que o sistema financeiro europeu funcione como um só, ainda não está completa porque a Alemanha não quer aprovar o seu terceiro pilar (a garantia comum dos depósitos, que verdadeiramente cria uma união com o mesmo grau de risco), alegando que ainda há bancos europeus com demasiadas imparidades, mesmo que disfarçadas. A Itália é o primeiro país visado, mas não é único.

Costa também deixou algumas reflexões importantes para o futuro. A primeira, que o euro e a Europa não podem eliminar as alternativas políticas nas democracias europeias. Há um conjunto de regras e de valores que têm de ser comuns, mas as escolhas eleitorais não podem desaparecer. O contrário apenas alimenta a radicalização política e a subida dos populistas. O último exemplo chama-se Itália. O primeiro-ministro também defendeu a globalização, ainda que mais regulada, contra qualquer tentação de uma Europa fortaleza, que caia na armadilha proteccionista e que se feche aos outros.

3. Regressando à Alemanha, não é só o futuro do euro que está em causa. Merkel percebeu melhor do que ninguém no seu país até que ponto o nacionalismo agressivo de Putin constituía uma ameaça à segurança europeia. Os últimos acontecimentos apenas lhe vieram dar razão. E virão mais. A constante ofensiva provocatória de Putin é uma questão incontornável, a exigir uma forte resposta europeia. Merkel e Macron apoiaram o Reino Unido. “Podemos sempre contar com Putin para unir os europeus, sobretudo quando eles mais precisam”, comentou um diplomata francês, citado pelo Politico. Mas a questão também não é fácil. Proliferam na Europa os novos e velhos amigos de Putin. E não vêm só de onde se espera. Jeremy Corbyn ficou sozinho, incluindo no Labour, contra Theresa May, quando a primeira-ministra britânica pôs à votação as medidas de retaliação contra a tentativa de assassinato de um antigo espião russo em território britânico. Se a Europa se deixa dividir pelas manobras agressivas de Putin, é o seu futuro como actor mundial que ficará em causa. Há na Alemanha, até no SPD, quem não veja a Rússia como uma ameaça. Mas aceitar a impunidade do Presidente russo, que é reeleito hoje para o seu quarto mandato, seria um caminho demasiado perigoso. Com ela, o risco de “deriva” alemã será mais difícil. Macron quer, e bem, devolver à França o seu lugar na primeira linha da política internacional. Criou uma boa relação com Trump (bastou oferecer-lhe uma parada militar nos Campos Elísios) mas também com Putin, regressando (talvez) à velha tentação gaullista da equidistância. Os tempos são outros. O teste vai ser se mantém a sua visita a Moscovo, prevista para Maio.

4. Mas a Alemanha está a começar a perceber que também precisa da solidariedade europeia, numa questão vital para a sua economia: o comércio. As medidas que o Presidente americano está a tomar em matéria de importações visam-na directamente. Basta que Trump fale do aumento das tarifas sobre os automóveis, para provocar um calafrio na poderosa indústria alemã. O Presidente americano visa a Alemanha por razões que alguns países europeus percebem demasiado bem, porque também se vêem a braços com um gigantesco excedente comercial alemão. Em Berlim, teme-se que não seja dada a resposta que mais lhe convém, se Trump continuar a escalada proteccionista.

“Não podemos continuar a olhar para a zona euro como um conjunto de economias que competem entre si e com o resto do mundo”, disse o primeiro-ministro em Estrasburgo. “Mas sim como um espaço agregado que aumenta o valor de cada um”. Vai ser um combate difícil. Que vem lembrar que a sobrevivência da Europa, tal como a desejamos, num mundo em sobressalto total e sem a liderança americana, está longe de estar garantida. A alternativa é uma Europa dividida, dependente da China ou da Rússia, ou sob protecção directa americana. Não é uma ideia agradável. 

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