www.sabado.ptFlash - 17 mar. 01:00

Lições de aviso

Lições de aviso

A velha ideia desastrosa de que só “grandes saltos em frente”, à boa maneira maoísta, podem salvar a Europa, não é apenas agressiva e fantasiosa. É, coisa pior, o palco perfeito para que os nacionalismos regressem em força

Passei uns dias em Budapeste e a pergunta era recorrente: por que motivo não há partidos populistas em Portugal? Falo de gente pró ou anti-Viktor Orbán.
Entendo a pergunta. Olhamos para a Europa e para o colapso generalizado dos "partidos do sistema". O caso italiano, que os húngaros acompanharam de perto, foi apenas o último terramoto. E Portugal? E nós?

A minha vontade seria responder que também temos a nossa fancaria populista. Se o populismo político se define por uma atitude de contestação às "elites" em nome do "povo", o PCP ou o Bloco, quando ainda eram vivos, podiam ostentar orgulhosamente a medalha.

Acontece que o PCP e o Bloco são a vergonha das olimpíadas populistas. Para começar, não beneficiariam grandemente com a crise lusitana: a direita, convém lembrar, ganhou as últimas eleições legislativas depois de uma governação dolorosa.

E se é verdade que, apesar de derrotados, conseguiram sobreviver na barriga de aluguer de António Costa, isso só reforça o fracasso de ambos como alternativas anti-sistema. Como contestar as "elites" quando Bloco e PCP são hoje a "elite"?

Além disso, existem outras causas que explicam um certo sossego por estas bandas. A União Europeia é a primeira delas. Para França ou Itália, Bruxelas pode assumir contornos particularmente sinistros. Mas Portugal, pobre e dependente, sempre viu no "projecto europeu" a sua malga da sopa. O antieuropeísmo é uma espécie de luxo a que não nos podemos permitir.

Isto significa que estamos vacinados contra a doença? Não creio – e aqui concordo com o meu amigo Tiago Moreira de Sá. Em artigo para o Público, ele avisa: sem combater a corrupção; sem reformar o sistema político para que os eleitores se sintam representados; sem reformar os próprios partidos para que desçam ao planeta Terra das preocupações mundanas, a oportunidade faz o ladrão.

Só discordo ligeiramente do Tiago quando ele exorta a uma defesa "com entusiasmo" da integração europeia. Depende do que entendemos por "integração europeia". Se falamos de uma livre associação de Estados soberanos, em que cada um opta por um nível de integração adequado aos seus interesses, sou o primeiro a aplaudir.

Coisa diferente é a retórica abertamente federalista que começamos a ouvir com maior frequência: a velha ideia desastrosa de que só "grandes saltos em frente", à boa maneira maoísta, podem salvar a Europa. Essa retórica não é apenas agressiva e fantasiosa. É, coisa pior, o palco perfeito para que os nacionalismos regressem em força.

DEIXEI DE LER o que se publica em blogues ou "redes sociais" quando, há uns tempos, me deparei com um texto selvagem, escrito por um selvagem, sobre a minha cândida pessoa. O meu raciocínio foi fulminante: "Será que tu, João, precisas de perder tempo ou energia neuronal com o bafo das catacumbas?"

Não valia a pena. Obsessivo como sou, entreguei o meu site e o meu Facebook a mãos profissionais, apenas por respeito aos leitores que têm interesse em seguir o meu trabalho. Pessoalmente, nunca mais regressei ao lugar dos crimes.

Infelizmente, o bafo encontra sempre formas de me apanhar ao ar livre porque a imprensa "tradicional", invertendo os termos do negócio, também passou a canibalizar o mundo virtual.

Segundo parece, Estrela Serrano (na foto) terá escrito algures que a participação de Nádia Piazza na elaboração do programa eleitoral do CDS explicava, por fim, as críticas que a senhora lançara ao Governo de António Costa pelos incêndios do Verão passado.

Convém recordar: no Verão passado, mais de 100 pessoas perderam a vida porque o Estado colapsou. Uma das vítimas foi o filho de 5 anos de Nádia Piazza, uma perda que dispensa qualquer comentário.
Depois desta tragédia pessoal, a sra. Piazza passou a liderar a Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande. Aliás, foi pela sua experiência que o convite surgiu: Nádia Piazza dará o seu contributo no programa do partido para questões relacionadas com o nosso abandonado e desgraçado interior.

Para Estrela Serrano, a coisa é bem mais simples: Nádia Piazza criticou severamente o Governo porque havia a cenoura do CDS no horizonte. Razões pessoais, morais ou cívicas não tiveram qualquer relevância.
Há muitos motivos para que as pessoas evitem a vida política: o sedentarismo, a carne assada, as torções de coluna ou a roubalheira irrecusável. É preciso acrescentar mais uma: nos casos mais graves, há sérios riscos de acabarmos como Estrela Serrano.

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