www.dinheirovivo.ptRicardo Reis - 17 mar. 01:00

Opinião. A carreira política

Opinião. A carreira política

As muitas pessoas que se queixam de políticos profissionais, são as mesmas que também acham ilegítimas todas as carreiras após a política

Os americanos adoram os “pais fundadores” da nação, que se revezaram como presidentes no início dos EUA. Ainda hoje se referem com respeito ao comandante chefe que vive na Casa Branca. Em relação às políticas concretas adotadas pela administração Trump, podemos ter uma discussão razoável sobre o que foi bom ou mau, mas em relação ao discurso, princípios, conduta ética, ou imagem e valores públicos, o legado de Donald Trump é horrível. Trump destruiu uma parte importante da mística americana. Milhões cresceram com os pais a dizer-lhes: “Se trabalhares muito e fores boa pessoa, um dia podes ser o presidente.” Hoje não conseguem repetir isto aos seus filhos.

Em Portugal, pós 25 de Abril, não temos este fascínio pelos nossos líderes. Mário Soares pode ter sido o responsável pelo triunfo da democracia e derrota do comunismo, e Cavaco Silva ser a fonte da integração na Europa e da estabilidade institucional, mas ambos foram mais detestados do que bajulados, mesmo que sejam admirados pela maioria. Chegado o fim da carreira política, não se pode contar com o respeito social que permita ganhar a vida escrevendo livros. Como se viu no caso recente de Passos Coelho, até dar umas aulas para partilhar experiências não é bem visto.

Ir para as empresas é difícil. Sendo o país pequeno e o Estado gigante, são poucos os cargos nos quais é útil a experiência de ter liderado milhões de funcionários públicos e ter lidado com desafios internacionais. Pior, com o tamanho da despesa pública, são poucas as empresas que não dependam do Estado de tantas formas que torna impossível afastar suspeitas de corrupção.

Uma opção particular a Portugal é investir na carreira universitária no início. Garantido o lugar de professor do quadro, envereda-se na política, e depois usa-se a universidade como repouso e plataforma sempre que o partido não está no poder. Mais, explora-se a confusão entre o limitado conhecimento científico e os ilimitados desejos políticos para atrair votos através da autoridade académica.

Dentro das universidades sente-se diariamente as desvantagens deste sistema: os professores não estão empenhados na evolução da escola, e a investigação que devia estar no centro de uma universidade passa a ter um papel secundário. No caso da petição recente contra Passos Coelho isto foi visível: é difícil perceber se quem assina é professor universitário ou ativista ou militante num partido de extrema esquerda, tal a sobreposição entre os dois.

A opção mais segura, para quem ambiciona legitimamente servir o país na liderança política é começar cedo e fazer toda a carreira na política. De militante, para depois deputado, presidente da câmara, ministro, culmina a carreira com a presidência já perto da reforma. É o trajeto dos líderes dos dois principais partidos hoje. As muitas pessoas que se queixam destes políticos profissionais, são as mesmas que também acham ilegítimas todas as carreiras após a política. Não se pode ter tudo.
Professor de economia na London School of Economics

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