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Opinião. O euro, pilar da independência europeia

Opinião. O euro, pilar da independência europeia

Em suma, os princípios por que a política orçamental seguida pelos estados membros do euro se deve reger são os seguintes: deve ser contra-cíclica, coerente com a sustentabilidade de longo prazo da dívida pública, e com regras mais simples.

Existem diferentes visões sobre o futuro da Europa, desde a União forte de Macron à mais austera União de Schaeuble, passando pelas propostas da Comissão Europeia. Mas todas valorizam o euro como um pilar essencial da União. Só com a moeda única podem os países europeus, no mundo do séc. XXI, decidir autonomamente sobre a sua política monetária, a qual, não podendo resolver tudo, importa muito, como se viu na resposta à crise.

Os oponentes do euro defendem o regresso às moedas nacionais para retomar a “soberania” monetária. Para tal adotariam taxas de câmbio flutuantes, como acontece e.g. entre o dólar e o euro. Na realidade, porém, tal não garante uma política monetária significativamente independente a países de dimensão pequena e média, mas apenas às moedas dominantes.

A razão principal é que o grau de autonomia se relaciona com a proporção do comércio global de bens e ativos denominado na moeda. No mundo atual, o dólar americano tem um papel desmesurado, com o euro num distante segundo lugar. Distante, mas segundo. (Ver trabalhos recentes de Gopinath. [1]). Dificilmente um membro do euro teria uma moeda dominante e, assim, não teria independência monetária nem participaria na coordenação do sistema monetário internacional.

Unidos, temos uma moeda dominante. Porém, é necessário reformá-la para melhorar o seu funcionamento e a sua resiliência (antes da próxima crise). Primeiro, cada país deve assegurar que a sua dívida é sustentável, para não ameaçar a confiança dos mercados no euro. Segundo, os mercados financeiros (leia-se bancos) devem estar muito mais integrados, de modo a permitir a boa transmissão da política monetária por toda a área do euro. Terceiro, é necessário um mecanismo europeu para gerir desequilíbrios financeiros intra-euro e crises bancárias, algo que um eventual Fundo Monetário Europeu poderia assegurar. Finalmente, os países necessitam de instrumentos orçamentais que lhes permitam estabilizar as suas economias sem prejudicar a sustentabilidade das finanças públicas. Exploremos este último aspeto.

Antes da crise financeira, as regras orçamentais acordadas pelos estados membros – entregando à Comissão Europeia a sua monitorização – apenas tinham em vista a sustentabilidade orçamental. O limite de 60% do PIB para a dívida pública foi considerado prudente, e o de 3% para o défice suficiente, para lidar com recessões – basicamente através dos estabilizadores automáticos (nacionais), os instrumentos orçamentais que, uma vez implementados, suavizam as flutuações do ciclo económico sem intervenção discricionária dos decisores. Por exemplo, quando o PIB cai (e logo os salários), um sistema fiscal progressivo leva a que as famílias paguem menos impostos, reduzindo o impacto sobre o rendimento disponível (mas aumentando o défice).

A regra dos 3% para o défice assumia implicitamente que seria impossível uma recessão tão grande que só o funcionamento dos estabilizadores automáticos geraria um défice superior, mesmo sem despesa discricionária adicional para estimular a economia. A Grande Recessão mostrou que tais regras eram desadequadas, pois impediam as políticas de estabilização necessárias numa recessão tão forte. E não só na área do euro: quer o Reino Unido, que tem moeda própria, quer a França, que faz parte do euro, tiveram défices acima dos 3% entre 2008 e 2016 (vd. Figura 1) devido à enorme crise.

Os governos europeus alteraram as regras, de modo a permitir à política orçamental cumprir a sua função de estabilização: défices mais elevados são permitidos em recessões severas, enquanto défices mais reduzidos ou até excedentes são exigidos em tempos de forte expansão. São alterações positivas, mas sobrepondo-se –  em vez de reformulando – às regras já existentes, resultaram em complexidade acrescida.

Além disso, algumas dessas regras baseiam-se em indicadores puramente teóricos, nomeadamente o PIB potencial (o produto que um país produziria em situação de pleno emprego). Simplificando bastante, as regras ligam os limites orçamentais ao hiato do produto: se o PIB está abaixo do potencial, a economia está em “recessão” e o défice pode ser superior ao normal; se o PIB está acima do potencial, a economia está em “expansão” e o défice deve ser inferior ao normal. O hiato do produto, a diferença entre o PIB real e o PIB potencial, é a forma teoricamente correta de aferir qual é, e qual deveria ser, a posição orçamental do país (expansionista ou recessiva). Contudo, do ponto de vista da definição das políticas, não será adequado como indicador mais decisivo nas regras orçamentais europeias: existem diversas conceções e métodos de cálculo do produto potencial, ou mesmo do pleno emprego – que não podem por definição ser medidos, apenas estimados. [2]

Além do mais, os estados membros não conseguirão assegurar individualmente (só com políticas nacionais) um grau adequado de políticas de estabilização, pois as suas economias podem estar em simultâneo em posições internas e externas diferentes. Um país pode ter défice comercial e desemprego elevado, e um outro excedente comercial e desemprego baixo. Assimetrias deste tipo surgem não só entre o centro e a periferia da Europa, mas dentro do próprio centro: tem sido o caso entre a França e a Alemanha na última década (ver fig. 3 e 4).

As assimetrias na área do euro devem ser suavizadas não só através das políticas orçamentais nacionais mas também com transferências entre países em expansão e países em retração. Porque devem aqueles estar dispostos a realizar transferências orçamentais? Para estabilizar a economia do euro como um todo. Se o país em recessão tiver um desempenho melhor, o país em expansão também beneficia, realizando transferências num momento em que esses recursos são menos necessários internamente (ver o trabalho recente de Farhi e Werning [3]).

Deve também ser complementada por um sistema de transferências bem desenhado, que poderia tomar a forma de um sistema europeu de seguro de desemprego, ou um fundo de estabilização menos ambicioso. Não por motivos redistributivos, mas sim porque tal beneficiaria todos os membros da moeda única.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição.

[1] Ver p. ex. Gopinath, G. and J. C. Stein (2017), Banking, trade and the making of a dominant currency, Harvard University working paper, mimeo

[2] Para uma discussão deste tópico Valença, H. (2015),  The output gap(s) in the SGP, Institute of Public Policy Policy Paper 4

[3] Ver p. ex. Farhi, E. and I. Werning (forthcoming), “Fiscal unions”, American Economic Review

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